I SÉRIE — NÚMERO 103
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É que, ao não precisarem de ser apresentadas as motivações do empregador, estas tornam-se
completamente insindicáveis. Por isto mesmo, o período experimental sempre conviveu de forma extremamente
tensa com o preceito constitucional que proíbe os despedimentos sem justa causa.
Na realidade, a lei permite, durante o período experimental, aquilo que a Constituição proíbe: o despedimento
livre, sem aviso prévio, sem motivo e sem compensação.
Onde a Constituição protege a estabilidade do emprego, o período experimental radicaliza a condição de
vulnerabilidade e de precariedade do trabalhador. O período experimental sempre esteve, para utilizar a
expressão de João Leal Amado, «no limiar da inconstitucionalidade».
É por isso que a regulação desta figura sempre mereceu extrema cautela por parte de quem legisla e a
definição da sua duração é uma questão crítica.
Quando foi criado, o período experimental tinha a duração de 15 dias e convenhamos que para funções
indiferenciadas, que não requerem especial qualificação ou confiança, alguns dias, poucas semanas, são mais
que suficientes para se aferir da adequação do trabalhador às suas tarefas. 90 dias, como, entretanto, foi
colocado na lei para estes casos, já é, na verdade, um período exagerado para cumprir o desígnio que a lei
propõe. Mas transformar o período experimental num semestre precário inteiro é do domínio do abuso. Por que
razão, para funções indiferenciadas, seria preciso estar seis meses à experiência? Nada justifica que assim seja.
Ao propor duplicar de 90 para 180 dias o período experimental de jovens à procura do primeiro emprego e
de desempregados de longa duração, esta proposta do Governo, agora aprovada com os votos do PSD e do
CDS, condena estes dois grupos a um estatuto laboral de menoridade de direitos.
Mas, além de injusta, esta proposta está ameaçada de inconstitucionalidade. E não é apenas o Bloco que o
diz, são juristas de todas as opiniões, da esquerda à direita.
Em 2008, não nos esqueçamos, o então Ministro Vieira da Silva chegou a propor alargar para os mesmos
180 dias o período experimental para a generalidade dos trabalhadores. Essa alteração foi declarada
inconstitucional.
No acórdão do Tribunal Constitucional, considerou-se que a medida violava o preceito da segurança no
emprego, o artigo 53.º da Constituição, que ofendia o princípio da proporcionalidade e que colidia também com
o artigo 18.º da Constituição, que define que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias — neste
caso o direito a não ser despedido sem motivo — para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos, coisa que não acontecia.
A proposta agora aprovada com a oposição da esquerda é, pois, um perigo que se arrisca a levar um novo
chumbo do Tribunal Constitucional. É que, às razões do passado, pode vir a somar-se agora a nova acusação
de se tratar, além do mais, de uma norma discriminatória.
A diferenciação que atualmente existe no período experimental é justificada pelas diferentes
responsabilidades e pela complexidade da função atribuída ao trabalhador. Para funções que exigem
qualificação ou que dependem de uma relação de confiança, pode ser hoje já de 180 dias e, para funções de
direção e chefia, pode ser até maior.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, estou mesmo a terminar.
Mas nunca a lei diferenciou o período experimental em função do tipo de trabalhador. Discriminar
negativamente jovens e desempregados de longa duração é tudo menos uma forma de proteção; é tudo menos
uma medida de combate à precariedade.
Por isso, uma medida assim, hostil aos direitos dos trabalhadores e em rota de colisão com a Constituição,
não deve merecer apenas o voto contra da esquerda, como já mereceu, deve merecer também toda a ação dos
Deputados para que seja fiscalizada e não chegue a ver a luz do dia.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, a Mesa regista cinco inscrições para pedidos de
esclarecimento. Como pretende responder?