I SÉRIE — NÚMERO 108
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No âmbito do Grupo de Trabalho sobre crime de perseguição e violência doméstica, o PS, acompanhado
pelo PCP e pelo CDS, votou contra o Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª, do BE. O sentido de voto manteve-se,
coerentemente, na votação em Plenário de dia 19 de junho de 2019.
Não é verdade que as crianças vítimas de violência doméstica sejam ignoradas pela nossa ordem jurídica.
O projeto de lei do BE pouco acrescenta nos conceitos, abstendo-se de lançar o que seria, isso sim, uma
discussão séria acerca de um estatuto autónomo das crianças vítimas de violência doméstica.
Mas, insista-se, ao contrário do que os proponentes tentaram fazer crer, as crianças que presenciam atos de
violência doméstica inscrevem-se no âmbito de proteção da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens
em Risco. O conceito de «vítima» a que se reporta o regime jurídico aplicável à violência doméstica, à proteção
e à assistência das suas vítimas, já inclui as crianças. A lei também tem disposições específicas sobre vítimas
menores. O conceito de «vítima especialmente vulnerável» do Código do Processo Penal (CPP) já possibilita
que esse estatuto decorrente da lei da violência doméstica seja conferido às crianças. O regime de concessão
de indemnização às vítimas de crime violentos e de violência doméstica tem disposições em matéria de vítimas
menores de violência doméstica.
Como refere o parecer da Procuradoria-Geral República, «percebe-se que o projeto de lei em análise não
conferiu o devido enquadramento ao artigo 67.º-A, do CPP, o que nos permite concluir que a solução poderá
ser desnecessária na vertente de consagrar expressamente a criança enquanto vítima do crime de violência
doméstica. E assim será porquanto já o é, nos termos acabados de expor».
O BE nunca quis este diploma aprovado, nunca quis sequer melhorar as suas enormes deficiências,
demonstradas por quem de direito, nem tão pouco quis criar um regime autónomo para as crianças, o que era
digno de uma discussão longa. O BE queria, sim, um momento de campanha no meio de todos os seus outros
projetos de lei rejeitados pela comunidade científica e pelo próprio Estado de direito.
A consagração pretendida de declarações para memória futura — que já existem — em todos os casos é
tecnicamente impossível, como admitiu em audiência a própria Procuradora-Geral da República, para além de
levantar questões sérias relativas ao princípio da imediação da prova.
A Convenção de Istambul não é um código que deva ser transposto literalmente. Como bem explicou o
Professor Pedro Caeiro, ela aponta para objetivos. Como ficou explicitado supra, é factualmente falso que
Portugal esteja, na matéria em apreço em «flagrante violação» daquela Convenção, como alegam os autores
da iniciativa.
Por estas razões, o Grupo Parlamentar do PS votou contra a iniciativa em apreço.
O Grupo Parlamentar do PS.
——
Se há algo capaz de unir todos os partidos na Assembleia da República é o repúdio da violência doméstica
e a necessidade de proteger as suas vítimas, e entre estas as crianças, dada a sua evidente vulnerabilidade.
Todos estaremos certamente empenhados em encontrar soluções legislativas adequadas para corresponder
aos propósitos que nos animam, mas isso não nos pode obrigar a aprovar todas e quaisquer propostas que
sejam apresentadas à sombra desses propósitos, mesmo que consideremos, com fundadas razões, que essas
propostas não têm razão de ser.
O BE vem propor que na lei sobre violência doméstica sejam consideradas como vítimas especialmente
vulneráveis as crianças que vivam em contexto de violência doméstica ou o testemunhem.
Acontece que já é assim. Como bem esclarece o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), o artigo
67.º-A do Código de Processo Penal já considera vítimas especialmente vulneráveis todas as vítimas de
criminalidade violenta e todas as vítimas cuja fragilidade resulte da sua idade. E como bem refere a PGR,
consagrar a criança enquanto vítima do crime de violência doméstica é desnecessário, porque já o é.
O BE vem propor que, nos crimes de violência doméstica, o tribunal decida, no prazo máximo de 48 horas,
a aplicação de medidas de coação. Ora, como refere o parecer da PGR, isso não altera em nada o que já decorre
da lei atual, que é clara, ao impor ao tribunal o dever de decidir.
Na verdade, quando o Ministério Público desencadeia, no prazo máximo de 48 horas após a constituição de
arguido, a aplicação de medidas de coação, o tribunal é obrigado a ponderar as medidas que considera