I SÉRIE — NÚMERO 9
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A modalidade atual de responsabilidades parentais está construída precisamente para permitir que, uma vez
quebrado o vínculo familiar originário (isto no entendimento da lei, que não é claramente o entendimento do
subscritor) ou melhor, uma vez cessada a partilha da casa de morada de família, um dos progenitores possa
tomar as suas opções de vida alheando-se absolutamente, se o desejar, do vínculo paternal para com o seu
filho/a.
É a adoção legal do regime-regra da desresponsabilização. Ou do princípio da irresponsabilidade.
O progenitor que, nos termos da lei em vigor (artigo 1906.º n.º 6 do Código Civil que após esta alteração se
manterá em vigor, passando apenas para 1906.º n.º 7), «não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades
parentais» pode alhear-se absolutamente da função parental, na medida em que ela é uma «responsabilidade»
daquele a quem «a guarda» pertence. Pode fazê-lo, conquanto não incumpra com o seu dever de pagamento
da pensão de alimentos que vier a ser determinada.
O dinheiro pelo vínculo. O pecúlio pela paternidade.
Valha a verdade que não se pode dizer que se trata de um alheamento absoluto porque, diz a lei, a esse
progenitor «assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação
e as condições de vida do filho». Comovente. Tem o direito a ser informado.
No fundo, há um «progenitor responsável» e um «progenitor irresponsável». A expressão é dura, mas é o
que resulta do edifício legislativo.
Aliás, não se pense que esta responsabilidade unilateral só implica pontos positivos para o progenitor
residente, para aquele a quem compete a responsabilidade educacional. Num primeiro momento, os
progenitores batalham pela «guarda» dos seus filhos, mas depois essa passa a ser uma responsabilidade do,
como lhe chamei «progenitor responsável» face ao «progenitor irresponsável». Ou seja, tem que educar, cuidar,
aceitar sozinho os condicionamentos que implicam na sua vida pessoal e profissional e ainda tem que prestar
contas ao «progenitor irresponsável».
Não é uma posição simples. Não se percebe que superior interesse se visa proteger para criar um tamanho
desfasamento de obrigações e responsabilidades.
A ideia de um progenitor que, por si, tem que tomar a criança a seu cargo e do outro que, mediante o
pagamento de uma pensão de alimentos, se desonera das suas efetivas responsabilidades parentais, é uma
ideia em si mesmo incomodativa. Mas é a que resulta da lei.
A lei força à quebra do vínculo parental. A lei força a criar a ideia de um «progenitor responsável» e um
«progenitor irresponsável». A lei separa entre o «progenitor de facto» e o «progenitor de direito». Pensado com
o devido distanciamento, dificilmente se consegue imaginar um edifício legislativo mais insensível, menos
humanista porque incentivador do apartamento ao invés da aproximação.
E, naturalmente, gerador das grandes divisões que tantas vezes surgem nos processos de responsabilidades
parentais, tamanho é o poder atribuído a um dos progenitores e tamanho é o afastamento do seu filho/a e
desresponsabilização exigido ao outro.
E para quê? Responder-se-á que é para corresponder ao superior da criança. Conceito tão abstrato quão
subjetivo. E sobretudo, creio que erradamente, assente no pressuposto de que o interesse do menor é melhor
salvaguardado se assegurada residência fixa.
c) Residência fixa ou Residência alternada? – qual o superior interesse da criança?
Como se diz em cima, o entendimento subjacente ao edifício legislativo tem sido – e continuará a ser – de
que o superior interesse da criança é melhor salvaguardado atribuindo-lhe uma residência fixa e estável. Por se
considerar, benignamente e sem dúvida com a melhor das intenções, que para a estabilidade da criança é
importante poder ter os benefícios advenientes da residência fixa num só local, os amigos, a escola, o
enraizamento numa comunidade onde de insira.
O problema é que considero estar esse entendimento profundamente errado.
Considero claramente que o superior interesse da criança é poder ser filho de ambos os progenitores, tanto
da sua mãe como do seu pai. Poder ser irmão dos irmãos que porventura tenha ou possa vir a ter tanto na
família do pai como na família da mãe. Poder fazer parte das duas famílias que são, na realidade, a sua.
Para a forma como fomos habituados a ver a sociedade, esta circunstância errática e instável, não protege
o superior interesse da criança. Precisamente por lhe proporcionar uma vida errática e pouco estável.
Mas que importa se isso significar maior felicidade?
Mas que importa se isso significar maior harmonia na sua família (a do vínculo perene, embora agora dividida
por diferentes residenciais)? Isto é, se significar maior harmonia entre o seu pai e a sua mãe?