I SÉRIE — NÚMERO 9
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A própria utilização do argumento visa, tão somente, desacreditar quem apresente uma visão menos clássica
e mais humanista, menos agarrada aos cânones daquilo a que fomos habituados e mais agarrada à felicidade
do ser humano como objetivo último do Estado e da lei.
Obviamente que se aceita uma visão diametralmente oposta à que aqui se defende, que é tão válida e tão
legítima quanto ao resto. Não se diga é que quem seja a favor da residência alternativa visa objetivos de princípio
de igualdade entre progenitores.
Há um diferente conceito, uma diferente forma de ver o superior interesse da criança. Que se considera
melhor alcançado com a residência alternada de com uma residência fixa.
Só isso e nada mais.
f) Da solução legal
Em conclusão, impõe-se aqui analisar novamente o normativo aprovado:
6. Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes,
o Tribunal pode determinar a residência alternada do filho com ambos os progenitores, independentemente de
mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos.
Ou seja, sem prejuízo do que tudo quanto ficou dito quanto à subjetividade em torno do que deve ser o
«superior interesse da criança» e, sobretudo, sem prejuízo de ser unânime para todos – defensores e opositores
à residência alternada – que é o «superior interesse da criança» que deve nortear a solução legislativa então
pergunta-se porque é que sempre que «corresponder ao superior interesse da criança» e sempre que «as
circunstâncias relevantes» assim o aconselhem o tribunal apenas pode determinar a residência alternada?
É que, se lido na inversa, a solução legal permite que mesmo que «corresponda ao superior interesse da
criança» e mesmo que «as circunstâncias relevantes» aconselhem a que seja determinada a residência
alternada o tribunal pode, se assim o desejar, não a determinar.
Então, em que é que fica o superior interesse da criança?
Se este normativo permite que um qualquer juiz possa não decidir pela determinação da residência alternada
ainda que isso seja o recomendável em nome do «superior interesse da criança»?
De facto, não se percebe.
Se é o «superior interesse da criança» que nos deve nortear porque é que o tribunal apenas «pode
determinar» e não «deve determinar»?
Esta formulação deixa a porta aberta para que, mesmo sendo, abstratamente, no «superior interesse da
criança», o tribunal possa não determinar a residência alternada se assim o entender, na medida em que se
privilegia a opção do tribunal («tribunal pode determinar») em detrimento das circunstâncias objetivas.
Esta formulação faz um avanço tímido no que já existe.
Ao criar este novo n.º 6 cria-se claramente um comando legal que diz que o legislador considera que a
residência alternada deve ser um regime mais utilizado, mas fá-lo do modo mais cautelar possível, mantendo
todos os poderes no juiz e no tribunal.
Dizendo-lhe que apenas o «pode» fazer, mesmo quando o «superior interesse da criança» e as
«circunstâncias relevantes» o aconselhem.
Donde, é legítimo retirar-se que a residência alternada pode nunca ser determinada.
Mesmo sendo melhor para a criança e atendendo às circunstâncias concretas do caso, o juiz tem o cutelo
decisório pois se considerar, no seu juízo, que é melhor para uma criança ter uma residência estável e ficar com
apenas um dos progenitores, fá-lo validamente e com toda a cobertura legal.
O que representa a atribuição de um poder quase discricionário no juiz, pois ele tem o poder até de contrariar
as circunstâncias concretas e o superior interesse da criança. Porque mesmo quando essas o aconselham, ele
apenas «pode determinar».
O que representa uma manifestação do princípio do inquisitório, uma confiança total nos decisores judiciais,
atribuindo-lhes o poder de contrariar até o «superior interesse da criança» que é algo que manifestamente se
não compreende se o verdadeiro objetivo do legislador é proteger, acima de todos os interesses e interessados
envolvidos nestas disputas, as crianças.
Lisboa, 2 de outubro de 2020.
O Deputado do PSD, André Coelho Lima.