3 DE OUTUBRO DE 2020
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É que os pais desta criança têm, assim, menos um fator de divergência (as mais das vezes o maior fator de
divergência), não há um progenitor vencedor e um progenitor vencido, ambos são progenitores de pleno direito,
devidamente adaptados às suas novas circunstâncias de vida.
Não sou conhecedor de estatísticas, mas tenho a certeza absoluta que se a uma criança for dada a opção
de escolher entre a harmonia entre o seu pai e a sua mãe (ainda que separados ou divorciados) ou a residência
estável num só local, ele prefere sujeitar-se a todas as dificuldades que implica estar constantemente a mudar
de casa e de família, se isso implicar que todos possam viver felizes, se isso implicar que ele não tenha que se
sentir a causa maior de todas as discussões e animosidades entre os seus pais.
Qualquer criança (e, valha a verdade, qualquer adulto também) troca facilmente o seu conforto pela sua
felicidade.
E a verdade é que estou firmemente convicto de que a residência alternada (ainda que não sendo ou não
podendo obviamente ser absolutamente equitativa) retira de um casal separado ou divorciado o maior foco de
desentendimento e divergência entre o extinto casal.
Assim se contribuindo para a harmonia entre todos, por não haver vencedores e vencidos.
Assim se contribuindo para a felicidade da criança.
Numa palavra, assim se contribuindo para aquele que é, em minha opinião, o superior interesse da criança,
que é ser feliz.
d) Uma família ou duas famílias?
A lei procura a todo o custo garantir à criança uma «vida normal». Uma família, um progenitor e uma
residência. Cuidando estar dessa forma a contribuir para o superior interesse da criança, que assim não se sente
«diferente dos demais».
Nada de mais errado em minha opinião.
Desde logo porque a educação para a diferença é, em primeira instância, pedagógica. É a sociedade que
tem de aprender a não isolar, diferenciar, sequer sentir as várias diferenças que a compõem.
A origem desta legislação assenta no estigma de que é mau ser-se filho de pais divorciados. É algo que se
tenta esconder. Provém duma sociedade onde tenta não fazer notar «as diferenças», cuidando dessa forma
estar a proteger quem as tenha.
Se, pelo contrário, assumirmos as diferenças, se as exibirmos, estamos a criar condições para que todas e
quaisquer pessoas, independentemente de quais sejam as suas circunstâncias, proveniências, particularidades
ou mesmo opções, se sintam plenamente enquadrados na sociedade.
E, de caminho, estamos a educar a própria sociedade.
Mas há ainda uma outra dimensão, porventura mais significativa:
É que, da forma como está pensado o edifício legislativo das responsabilidades parentais, ao se pretender
que a criança tenha uma só família, além da dimensão (já analisada) de isso implicar haver um progenitor
vencedor e um progenitor vencido, há a dimensão, sempre negligenciada, de aquela criança passar a ser filho
de apenas um dos seus progenitores, e visita do outro.
Ele deixa de ter pais, passa a ter só pai, ou só mãe, visitando de quando em vez o outro.
Ora, uma vez mais em minha opinião, creio firmemente que se satisfaz o superior interesse da criança
criando-se-lhe condições legais para que façam parte das duas famílias em que se repartiu a sua família
originária, possam ter as duas casas como sendo a sua, não sendo apenas visita da casa do progenitor vencido.
Não apenas visita da família que só lhe tocou visitar de quando em vez. Porque, desse modo, ele nunca fará
parte dessa nova família, será apenas um visitante fugaz e tantas vezes formal daquela que é também a sua
família, mas que a lei não permite que assim seja.
As crianças merecem viver nas duas casas e não ser visita da casa do pai ou da mãe. Porque essa é a sua
vida.
É fácil? Claramente que não o é, mas é a vida que tem. Pelo que deve o Estado criar as condições da
adaptação harmoniosa a essas circunstâncias de vida, ao invés de fazer um simulacro de que a sua vida é
«normal» (conceito em si mesmo abjeto mas que tem que ser usado porque é ele que está na base de todo o
edifício legislativo).
e) Da igualdade entre progenitores
Do que fica dito em cima, torna-se claro que esta posição não assenta, nem nunca assentaria, na defesa de
um qualquer direito de igualdade dos progenitores.