I SÉRIE — NÚMERO 17
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E é disso que estamos a falar, Sr.as e Srs. Deputados. Estamos a falar de deixar que as pessoas concretizem
os projetos livremente estabelecidos. Não temos outra coisa a dizer que não seja: devem ser livres para o fazer.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As iniciativas legislativas que hoje discutimos devem-se, em primeira linha, aos promotores da iniciativa legislativa de cidadãos, que hoje
permitiu o agendamento deste debate, que estão nas galerias e cuja coragem e determinação, permitindo
colocar este tema novamente na agenda, devemos em primeira linha saudar e agradecer.
Aplausos de Deputados do PS.
O histórico desta matéria, como foi referido na intervenção anterior, não é de hoje. A procriação medicamente
assistida tem sido, ao longo dos anos, aprofundada na lei em vigor, sendo que este tema em particular, aquele
que motiva este agendamento, isto é, a possibilidade da realização da inseminação post mortem, já foi, várias
vezes, objeto de propostas de alteração à lei, apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e por
outros grupos parlamentares, designadamente em 2012, em 2015 e em 2016. Infelizmente, fosse na
generalidade, fosse na especialidade, não se conseguiu, até ao momento, reunir a maioria necessária para
produzir esta alteração, que, como esperamos ter oportunidade de demonstrar, se revela da mais evidente
justiça e linearidade, face àquilo que já resulta da lei da procriação medicamente assistida.
Vamos, então, à substância. A lei, hoje, já admite a inseminação post mortem, portanto, já está previsto que
pode ter lugar a transferência de embrião, pelo que não é uma figura desconhecida, à qual a lei virou as costas
na sua redação inicial. Mais até, quando o material genético provém de dador anónimo, também não há qualquer
obstáculo na lei a que esse dador anónimo possa até já ter falecido e, portanto, não há também qualquer
obstáculo a que a inseminação possa ter lugar nesse contexto e nesse momento.
Por isso, verdadeiramente, aquilo que temos é uma opção, infelizmente, arbitrária da lei, que determina que,
pelo facto de o procedimento de inseminação não estar ainda numa determinada fase do seu desenvolvimento,
não é possível o recurso a estas técnicas de procriação medicamente assistida — e isto mesmo quando existe
um projeto parental comum, mesmo quando existe um projeto claramente consentido por ambas as partes.
E é precisamente isto que queremos evitar que continue a acontecer. É que, infelizmente, são muitas e
dramáticas as circunstâncias que podem determinar a necessidade de recorrer a inseminação nestes contextos:
nos casos em que a recolha do material genético tem lugar para prevenir a ocorrência de infertilidade por força
de determinados tratamentos e, obviamente, nos casos mais graves, em que o falecimento da pessoa que
forneceu o material genético pode acontecer por força de doença grave que esteve na origem dessa mesma
recolha de material genético.
No fundo, este debate é, mais uma vez, o debate sobre por que razão temos legislação sobre procriação
medicamente assistida, sobre por que razão recorremos à ciência para poder fazer a realização da liberdade
individual das pessoas, da felicidade das pessoas, e para assegurar a saúde sexual e reprodutiva de todos
aqueles para os quais ela está ao seu alcance. É para essa realização pessoal e para essa felicidade dos nossos
concidadãos que devemos elaborar a lei, melhorar a lei e rever a lei, sempre que necessário e, especialmente,
quando não são lesados interesses de terceiros, especialmente quando não está em causa senão a vida e o
futuro das pessoas que livremente optam por tomar esta decisão.
Naturalmente, sabemos que a questão jurídica não é simples, que precisará de trabalho em sede de
especialidade, que há questões a acautelar, designadamente garantindo a forma como o consentimento é
prestado, definindo prazo para a tomada de decisão, definindo prazo máximo para a realização da inseminação,
definindo quantas vezes é possível fazer recurso ao material genético preservado e também verificando,
eventualmente, a posição no plano sucessório, que pode decorrer do aparecimento de um concepturo que não
estava inicialmente definido no momento em que se abre a sucessão.