5 DE DEZEMBRO DE 2020
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Terceira e última questão: qual a posição do Governo português sobre a manutenção dos apoios
disponibilizados, no âmbito do fundo de recuperação, às indústrias poluentes, que continuam a basear o seu
funcionamento em combustíveis fósseis?
Os socialistas e mesmo os Verdes desertaram deste debate no Parlamento Europeu.
A União Europeia contratou, para gerir a sua política contra as alterações climáticas, a BlackRock, um dos
maiores investidores mundiais da indústria dos combustíveis fósseis e em setores associados à desflorestação,
o que é colocar a raposa no galinheiro.
Sr. Primeiro-Ministro, a crise pandémica que atravessamos não apagou nem resolveu a crise climática que
também ameaça o presente e o futuro do planeta.
Este é o momento adequado para avançar, finalmente, com medidas que permitam reduzir, de uma vez por
todas, a dependência externa, alimentar, industrial e energética das energias fósseis e, assim, prosseguirmos
para um paradigma de produção e consumo que seja verdadeiramente sustentável.
Ações concretas para além das palavras: é isto que devemos às próximas gerações. Não concorda, Sr.
Primeiro-Ministro?
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro: Para além das importantes questões relacionadas com os testes e as vacinas, gostaria de perguntar
ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Governo qual é o ponto da situação quanto a uma abordagem mais ampla — que
é necessária e não deve ficar reduzida a essas questões —, nomeadamente da coordenação e articulação a
nível europeu do combate à pandemia.
Pergunto, desde logo, se haverá a criação de condições para o investimento nos serviços públicos, como o
SNS, no caso de Portugal, e sem a pressão do condicionamento de que nos lembramos bem e que sucedeu
com as famosas recomendações específicas, por país, e outras intervenções ao nível da União Europeia, que,
no passado recente, tentaram recomendar, digamos assim, o corte orçamental na área da saúde.
Portanto, é preciso uma outra política no contexto europeu que ponha fim a estes condicionamentos que
ciclicamente têm surgido relativamente ao investimento e desenvolvimento dos serviços públicos. Ou seja, são
precisas opções políticas que promovam e permitam medidas efetivas e concretas a este nível para 2021.
Esta é, pois, a primeira questão que gostaríamos de colocar, independentemente de abordagens mais
conceptuais sobre uniões europeias da saúde e outras discussões conexas. No concreto, importa também
discutir e avaliar um acompanhamento e uma coordenação no combate à epidemia.
Por outro lado, há a questão relativa ao ambiente e às alterações climáticas, que surge na agenda dos
trabalhos. Temos chamado a atenção para a contradição perversa entre os objetivos proclamados de ação pela
defesa do ambiente e da mitigação ao nível das emissões de gases com efeitos de estufa e a mercantilização
dessas ações de defesa do ambiente, nomeadamente com os diversos comércios de licenças de emissão.
Na prática, esses comércios, em vez de levarem a um combate mais efetivo a essas emissões, acabam por
transformá-las em bens ou títulos transacionáveis em que os mais poderosos economicamente acabam por
beneficiar dessa lógica e dessa capacidade de adquirirem aos outros a liberdade de poluir. Ora, esta é uma
experiência que não podemos ignorar e uma preocupação que não podemos deixar de exprimir nesta fase do
debate.
Ao olhar para a agenda dos trabalhos que está definida para esta reunião, dir-se-ia que estamos perante
mais uma reunião de business as usual, que, na língua portuguesa, seria «de negócios do costume». O certo é
que há um «elefante na sala» que tem a ver com as decisões do Conselho relativamente ao fundo de
recuperação e ao quadro financeiro plurianual.
No que diz respeito a essa abordagem, a abordagem punitiva no quadro dos fundos comunitários em nome
do Estado de direito, não temos boas experiências e a história tem dado lições importantes sobre a questão dos
polícias do mundo ou dos polícias da Europa. Em todo o caso, está aí a complicação e a confusão que o próprio
Governo alertou que seria previsível!