9 DE JANEIRO DE 2021
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Por outro lado, essas respostas têm de se direcionar para os motivos que, normalmente, estão na origem
destes comportamentos. Na verdade, muitas vezes os profissionais de saúde acabam por ser indevidamente
responsabilizados pelas dificuldades de resposta dos serviços de saúde, seja pelos tempos de espera, seja pela
fragilidade da própria qualidade dos cuidados de saúde prestados, quando os profissionais não têm qualquer
responsabilidade relativamente ao desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde.
Portanto, se queremos atacar o mal pela raiz, essas respostas também têm de passar pelo reforço de
profissionais de saúde e pelo investimento em meios técnicos ao nível do SNS.
Para concluir, devo dizer que acompanhamos as preocupações dos peticionantes e que iremos votar a favor
das iniciativas legislativas que também estão em discussão e que, a nosso ver, venham dar resposta aos
problemas identificados pela petição, nomeadamente, e sobretudo, os projetos de resolução do Bloco de
Esquerda e do Partido Comunista Português.
Aplausos de Deputados do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Santos, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Das quatro iniciativas que temos a debate, sendo a primeira a petição «Não à violência sobre os profissionais de saúde» — e começamos por
saudar os peticionários, sublinhando a bondade do seu propósito —, só três é que se relacionam
verdadeiramente com a proteção de profissionais de saúde, a saber, a petição e os projetos de resolução do
Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. Pelo contrário, o Projeto de Lei n.º 604/XIV/2.ª, do Chega, não se
relaciona verdadeiramente com os profissionais de saúde e com a sua proteção.
Vamos começar pelo Projeto de Lei n.º 604/XIV/2.ª, do Chega, seguindo o princípio de que, se começarmos
pelo pior, deixaremos o melhor para o fim.
Este projeto do Chega pretende a agravação das penas dos crimes contra a integridade física e pretende
tornar públicos todos os crimes praticados contra funcionários públicos no exercício das suas funções.
Sobre a agravação das penas, é mais do mesmo: não se prova que seja necessária nem se mostra que
poderia vir a ser útil. Muito enfaticamente, sobre isto, o parecer da Ordem dos Advogados afirma que, e vou
citar: «Não vislumbramos qualquer necessidade de um agravamento da medida das penas». É só mais
populismo penal, mas nada de novo, sempre que estão em causa projetos do Chega em matéria criminal.
Já sobre a intenção de tornar públicos todos os crimes praticados contra funcionários públicos, que é a
intenção deste projeto de lei do Chega, há mais a dizer.
No Direito Penal próprio de um Estado de direito democrático, as pessoas que cometem crimes devem ser
castigadas em função daquilo que fizeram e não em função das características das suas vítimas. É certo que
há casos especiais em que as circunstâncias da vítima podem ter relevância autónoma: em crimes específicos
e desde que se pondere sempre a culpa do agente. Mas são casos especiais. A regra é a de que as qualidades
da vítima não condicionam, de forma automática e com caráter geral, o sancionamento criminal, sob pena de
medievalização do Direito Penal.
Nas Ordenações Manuelinas, por exemplo, o crime de adultério era punido com a morte, mas podia não
merecer tão severa punição em função das características, precisamente, do marido enganado; em função das
características da vítima, portanto. O adultério deixava de ser punido com a pena de morte, se o marido
enganado fosse de condição social inferior à do homem com quem a sua mulher o enganara. Era um Direito
Penal em que o castigo dependia amplamente das características da vítima. Mas contra isto, já no remoto século
XVIII, escreveu Pascoal de Melo Freire, um dos maiores juristas portugueses do Iluminismo, chamando-lhe
«célebre e escandalosa diferença».
Ontem, na televisão, o Sr. Deputado André Ventura disse que o Estado já não faz nada desde 1974. Parece
ter saudades do tempo da ditadura!
Vozes do PS e do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Mas, em matéria penal, as ideias do Chega fazem-nos recuar muito mais do que esses 46 anos de que falou. Fazem-nos recuar cerca de 500 anos.