I SÉRIE — NÚMERO 38
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Passadas muitas décadas, eis que há tentativas de desacreditar a democracia. Que «Farpas» escreveria
Eça, ao assistir a certas intervenções inflamadas nesta mesma Câmara? Embora a pena e a voz de muitos
denunciem o fenómeno populista tentacular dos dias de hoje, faz-nos falta a ironia de Eça para denunciar as
tolices, como dizia, e mostrá-las ao povo.
Seria, hoje, este Eça um homem de esquerda? Bom, ele visava a transformação de um Portugal pobre,
analfabeto, rural, piedoso, conservador, dominado por uma pequena elite burguesa, impreparada
politicamente, intriguista e ciente dos seus interesses.
Eça de Queiroz é, até aos dias de hoje, um autor incontornável. Através da sua obra, gerações de jovens
aprendem, ainda hoje, o gosto pela literatura e, sobretudo, são desafiados a pensar criticamente e a
questionar.
Da importância da leitura como janela para o mundo, como chave para a sua compreensão, já todos
sabemos e esse é o verdadeiro trabalho de educação para a cidadania e para a democracia e em
interdisciplinaridade que tem de ser feito nas escolas.
Termino, dizendo que acompanhamos a iniciativa do PS, que dá continuidade ao desejo da Fundação,
dando-lhe honras de Panteão Nacional, com palavras de Eça: «O Realismo é a negação da arte pela arte, é a
proscrição do convencional, do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de
promover a comoção usando da inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a
análise com o fito na verdade absoluta (…).
O Realismo é (…) a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios
olhos – para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que
houver de mau na nossa sociedade».
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado José Luís Carneiro deveria ter apenas 4 segundos, visto que ultrapassou largamente o seu tempo, mas, vá lá, vou dar-lhe mais 10 segundos, perfazendo 14 segundos,
para encerrar este debate.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Eça de Queiroz, ouvindo-nos, vendo-nos e observando-nos, certamente não deixará de ter em consideração este gesto de grandeza do Sr. Presidente da Assembleia
da República.
Risos do PS e do PSD.
Queria, Sr. Presidente, agradecer-lhe a abertura para que este processo se pudesse encetar no diálogo
com todos os grupos parlamentares.
A Assembleia da República deu hoje um grande exemplo de maturidade democrática e de serviço ao País.
E, com a atitude que hoje aqui foi tomada por todos os grupos parlamentares, estamos a homenagear não
apenas um dos maiores vultos da literatura e da cultura do nosso País mas também o povo e uma região onde
o Eça se inspirou para escrever os seus romances.
Eça de Queiroz, que teve contacto com todo o País, não deixou de transpor para a sua criação literária a
sua visão, a sua interpretação do desenvolvimento.
Como alguém que aceitou esta responsabilidade por determinação da Fundação Eça de Queiroz e vivendo
o sentimento profundo do significado desta homenagem, por ter podido conviver com aquela que foi a obreira
da Fundação Eça de Queiroz, Maria da Graça Salema de Castro, com quem pude dialogar durante horas, dias
e noites, durante a minha vida de autarca, queria agradecer às Sr.as Deputadas e aos Srs. Deputados e, muito
particularmente, ao Sr. Presidente da Assembleia da República esta convergência política no reconhecimento
e no modo como estamos a fazer justiça.
Ao seu trineto, escritor, que hoje também já está além-fronteiras a representar no plano cultural e literário o
nosso País, as maiores felicidades e o agradecimento, o justo agradecimento, à família.