15 DE JANEIRO DE 2021
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O princípio da administração aberta é um princípio que nos é caro, mas o que nos parece é que as
soluções que são aqui apresentadas terão de ser vistas cuidadosamente em sede de especialidade.
Aponto já alguns aspetos que nos parecem que tecnicamente estão menos corretos nestas iniciativas
legislativas, desde logo o facto de recorrerem à figura da desclassificação. Quer-nos parecer que não é isso
que está em causa. Ou seja, a desclassificação pertence a quem classifica, isto é, quem tem poderes de
classificação de documentos, tem poderes para os desclassificar. Portanto, as entidades que têm à sua
guarda documentos públicos, do setor público, terão poder de desclassificação, aliás, é nessa base que
assenta o regime do segredo de Estado. Mas a questão não é essa, a questão não é dar poderes de
desclassificação, porque a Assembleia da República não classificou nada, o que importa salvaguardar é o
direito de acesso da Assembleia da República a esses documentos.
São documentos que não estão na posse da Assembleia da República, mas a que a Assembleia, enquanto
representante dos cidadãos, deve ter o direito de aceder, caso decida fazê-lo. E aí quer-nos parecer que a
utilização da figura da resolução seria por aqui. Ou seja, a Assembleia da República tem todo o direito de
resolver que quer ter acesso a determinados documentos. Porquê? Porque a lei que vamos aprovar o permite.
É essa a habilitação legal que permitirá à Assembleia da República resolver querer ter acesso a
documentos. Não se trata de desclassificar, trata-se de exercer um direito de acesso que a legislação lhe vai
conferir.
Por outro lado, não faz sentido dizer que a Assembleia da República decide por maioria simples, porque
em todas as situações em que a Constituição não exige uma maioria qualificada ou uma maioria absoluta, não
há outra forma de decidir que não seja aquilo a que nós chamamos normalmente a maioria simples e que a
Constituição designa por decisão à pluralidade de votos. E, portanto, não é preciso dizer isso, porque o regime
tem mesmo de ser esse, não pode ser outro.
Por outro lado, há aí uma questão que merece cuidado, que é a questão da retroatividade. Como se sabe,
a retroatividade das leis é um princípio excecional, que obedece também a requisitos constitucionais e há que
ver até onde vai a retroatividade. Vai até ao século XIX? Vai até aos anos 50 do século XX? Ou é à medida? E
não é bom que seja à medida, para não entrarmos naquela discussão eterna…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Falava naquela discussão eterna que é o PSD a dizer que se deve desclassificar aquilo que foi feito pelo
PS e o PS a dizer que se deve desclassificar o que foi feito no PSD.
Como o debate não deve ser esse, temos de encontrar aqui uma forma limpa, de eficácia da entrada em
vigor da produção de efeitos por esta legislação. Iremos viabilizá-la, mas pensamos que, do ponto de vista da
especialidade, há aqui obras importantes a fazer.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «O segredo é a alma do negócio», dizem, sobretudo se esse negócio envolver empréstimos de favor, lavagem de dinheiro,
enriquecimento ilícito, jogos de poder, corrupção, evasão fiscal.
Em Portugal, como no mundo, o princípio do segredo profissional, do segredo bancário, do segredo do
negócio tem-se sobreposto sempre ao princípio da transparência, da redistribuição da riqueza e até do
interesse público. E não falamos aqui apenas do Estado ou dos negócios que envolvem o Estado e os
privados, falamos também de negócios entre privados.
Nós entendemos que o segredo não se pode opor nunca ao interesse público e, por isso, sempre o
procurámos limitar de forma consistente e defendemos sempre a divulgação de auditorias, de contratos, de
informações sobre devedores, de relatórios secretos. Tem sido sempre essa a nossa postura e a nossa
posição no debate público.