12 DE MARÇO DE 2021
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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir com esta frase, Sr.ª Ministra… Sr.ª Ministra, não, Sr.ª
Presidente. Ainda não é Ministra.
A frase é a seguinte: a agricultura merece mais, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, lapsus linguae são normais, não têm qualquer significado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, Sr.ª Ministra da
Agricultura: Têm sido muitas as manifestações de descontentamento sobre a política agrícola comum em
Portugal e as desigualdades que esta política promove. Mais de 40% das explorações agrícolas portuguesas
estão excluídas de qualquer subsídio da PAC, mas se analisarmos as regiões da Estremadura e do Algarve
vemos que foram excluídas mais de dois terços ao longo dos últimos dois quadros comunitários.
Os produtores e os agricultores florestais conhecem bem este problema: enquanto uns não recebem nada,
outros lucram mais com os apoios públicos do que com a sua própria produção.
Estudos recentes demonstram que, em média, os subsídios da PAC representam mais de metade do
rendimento agrícola anual do Alto Alentejo. O antigo regime de pagamento único, atual regime de pagamento
base (RPB), trata-se de uma renda histórica, um regime de privilégio que consecutivos Governos têm defendido,
num amplo acordo entre o Partido Socialista e a direita.
O Governo está agora a produzir o Plano Estratégico da PAC até 2027 e tem a melhor oportunidade de
sempre para retificar esta política pública e para fazê-la, de uma vez por todas, corresponder ao interesse
público. Para preparar este caminho, foi criado, há três anos, um painel de peritos de forma a obter
aconselhamento científico. Acontece que já vários desses peritos vieram à Assembleia da República manifestar
o seu descontentamento com a ação e as intenções do Governo para a política agrícola e florestal. O
descontentamento tem um denominador comum: chama-se iniquidade territorial e social.
Recentemente, houve mesmo a demissão de um especialista que deu lugar a uma carta que recebemos no
Parlamento, onde se pode ler que «as decisões que têm sido tomadas pelo Ministério da Agricultura não
contemplam princípios e objetivos fundamentais de equidade». O seu Ministério é ainda acusado de falta de
transparência na condução deste processo.
Perante as novas regras comunitárias, o Governo prepara-se para diminuir 85 milhões de euros por ano ao
pilar do desenvolvimento rural para os entregar aos beneficiários do RPB e garantir que a renda se mantém.
Em Portugal, mais de metade da despesa pública da PAC é aplicada em medidas que dependem
essencialmente da área agrícola.
Em consequência, os apoios atribuídos pela área são quase todos aplicados a sul do Tejo e a norte do
Algarve, onde os grandes proprietários se especializaram em capturar subsídios. O resto do País e a pequena
agricultura do Alentejo ficam para trás.
O descaramento é tal que boa parte dos apoios destinados à agricultura biológica são capturados por
pastagens que não produzem carne biológica. Hoje, o Parlamento votará um projeto do Bloco para promover a
agricultura biológica e combater este abuso.
Sr.ª Ministra, a agricultura portuguesa é muito mais do que propriedades e áreas agrícolas declaradas; é
produção de alimentos, é trabalho e emprego que sustentam as populações e conferem coesão ao território.
Mas, até hoje, os Governos ignoraram esta realidade. Muitas áreas beneficiadas pelo RPB, medida que
representa um terço dos apoios da PAC, nem sequer são cultivadas, mas os proprietários recebem apoios de
igual forma. As explorações agrícolas a norte do Tejo são as que mais emprego geram, as que mais famílias
sustentam, mas como o trabalho familiar e assalariado não conta nas contas do Governo, os apoios da política
agrícola comum por trabalhador são, em média, dez vezes maiores no Alentejo do que na região afetada pelos
incêndios de Pedrógão Grande e mais do dobro do que no resto do País.
Sr.ª Ministra, está o Governo disponível para desenhar um modelo de apoio que contemple a equidade
territorial e social e para valorizar o trabalho agrícola familiar ou assalariado?
O investigador que se demitiu, Francisco Cordovil, sugere critérios de equidade territorial que consideram em
20% a 30% o volume de trabalho. Por que motivo o seu Governo recusou esta proposta? Está o Governo
disponível para reconsiderar a sua posição?