I SÉRIE — NÚMERO 63
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A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os grandes incêndios de 2017, com a perda de mais de uma centena de vidas humanas, inúmeros bens e cerca
de 500 mil hectares devastados, tornaram evidente a necessidade de inverter o paradigma não só em termos
de combate aos fogos rurais, mas, sobretudo, em termos de prevenção, o que não é dissociável das políticas
para o mundo rural, que, ao longo de décadas, têm sido contrárias às necessidades destes territórios, da sua
população e das atividades económicas, as quais teimosamente resistem às dificuldades decorrentes da falta
de serviços públicos de saúde, de ensino, de transportes e de comunicações e da falta de investimento público.
O Governo propõe um sistema de gestão integrada de fogos rurais, mas parece ignorar a necessidade de
existência de pessoas nas áreas rurais, pelo seu papel determinante na prevenção dos incêndios, reduzindo o
risco e a severidade dos mesmos, sobretudo por via da agricultura familiar. Tarda em valorizar as atividades
agrícolas e o mundo rural e a efetivar os direitos consagrados no Estatuto da Agricultura Familiar, evitando o
abandono das explorações agrícolas e das áreas cultivadas.
Embora a limpeza dos terrenos seja importante, hoje o Governo quer responsabilizar ainda mais os
proprietários na gestão de combustíveis por si só, não tendo em conta a realidade das áreas rurais,
nomeadamente o envelhecimento da população e os seus parcos recursos económicos. Trata-se de uma
população que, não tendo rentabilidade devido aos baixos preços pagos pela madeira, tem sérias dificuldades
para proceder à limpeza dos terrenos.
Após os incêndios de 2017, a culpabilização e o aumento de coimas sobre os proprietários — acentuados
nesta proposta de lei — têm fomentado a especulação nas áreas rurais, por um lado, pelo inflacionar do preço
cobrado para limpeza dos terrenos e, por outro, com a venda de terrenos ao desbarato para evitar tais custos,
conduzindo à concentração da propriedade.
A prevenção dos incêndios rurais é indissociável de uma correta política de arborização.
O Governo está obcecado com os pequenos proprietários, mas devia olhar para as empresas da celulose,
responsáveis, direta ou indiretamente, por extensas monoculturas de eucalipto que, literalmente, afogam
localidades num denso mar de eucaliptal, aumentando o risco e deixando a população mais vulnerável.
Por outro lado, após os incêndios, são formados densos tapetes de eucaliptos que invadem áreas outrora
arborizadas por outras espécies e invadem vias públicas. Caminhos agrícolas e florestais deixados ao abandono
após os incêndios estão hoje intransitáveis, cobertos com espécies invasoras como as acácias e os eucaliptos
de crescimento espontâneo. O Estado tem de assumir a responsabilidade pela manutenção das vias públicas e
gestão dos terrenos públicos.
No seu enxotar de responsabilidades, o Governo empurra para os municípios mais competências,
nomeadamente na substituição dos proprietários na limpeza dos terrenos, sem que aqueles tenham visto serem
reforçados os meios materiais e financeiros adequados.
No final, pergunta-se: porquê mudar o que se mudou há tão pouco tempo e nos prometiam que agora é que
era? Que balanço faz o Governo? O que falhou?
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo vem aqui pedir uma autorização legislativa para estabelecer o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais,
mas, antes de apresentar esta autorização legislativa, cuidou de garantir a sua viabilização por parte do PSD.
Mais uma vez o PSD se deixou «meter no bolso» do Governo nesta questão das florestas e isto fica aqui bem
claro pela sua intervenção. O cheque que passou foi precisamente aquele que o PS e o Governo lhe pediram.
Com esta proposta de lei o Governo vem revogar o Decreto-Lei n.º 124/2006 — e espero que o PSD reflita
sobre o que vou dizer —, que é tão-somente o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais. Isto não é coisa
pequena nem coisa menor, é a pedra angular da prevenção e proteção das florestas contra incêndios que o
Governo vem agora revogar.
Recordo que o Decreto-Lei n.º 124/2006 já foi objeto da Lei n.º 76/2017, apelidada — lembram-se? — pelo
anterior Governo do PS como a «reforma D. Dinis». Pois aqui está a defesa da floresta: diziam que ia resolver
todos os problemas e males da floresta,…