19 DE MAIO DE 2021
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A reflexão estratégica, em Portugal, não foi indiferente às importantes mudanças no cenário internacional.
Por isso, os Governos que tomaram posse em 1995 e 1999 já falavam claramente da necessidade de reforçar
o valor da defesa nacional e de reestruturar as Forças Armadas, no sentido de melhorar a eficácia operacional,
nomeadamente com o reforço das operações, das capacidades e do comando conjunto. Contudo, por razões
conjunturais da política da época, não foi possível levar a cabo as reformas que, já nessa altura, se sentiam
como necessárias.
Os dois Governos que tomaram posse em 2002 e 2004 têm uma idêntica formulação do Programa do
Governo, naturalmente no mesmo sentido. Igualmente, o Governo que iniciou funções em 2005 também tinha
uma ambição muito clara, como se pode verificar pela leitura do Programa do Governo da época, e cito:
«Reforma do modelo de organização da Defesa e das Forças Armadas, de modo a restruturar o dispositivo e
otimizar as condições de comando e controlo operacional nas missões das Forças Armadas, designadamente
na perspetiva da utilização conjunta de forças e da sua interoperabilidade, que deverá conduzir à criação por
etapas de um Estado-Maior da Defesa».
Ora, apesar da ambição expressa neste Programa do Governo e nos programas de governos anteriores, as
alterações de 2009, que, em algumas matérias, foram bastante significativas, acabaram por ficar aquém daquilo
que se desejava.
O Governo seguinte percebeu isso e, em 2014, avançou-se no sentido de procurar completar a reforma
proposta. Foi possível, em 2014, melhorar em vários aspetos a organização da Defesa Nacional e das Forças
Armadas, mas a conjuntura política da época — e, eventualmente, também a metodologia adotada — não
permitiu ir mais longe. O resultado foi que algumas das alterações, tal como em 2009, ficaram incompletas,
adiando-se, até hoje, o encerramento de um ciclo que já é demasiado longo, há vários anos.
Em resumo, quero sublinhar que, ao longo dos anos, o poder político e as tutelas da defesa demonstraram
ter consciência da necessidade de adaptarmos o nosso modelo ao pós-Guerra Fria, um período que dura há
três décadas e que já conheceu várias mutações.
Avançámos alguma coisa, mas insuficientemente, e temos, por conseguinte, um desfasamento significativo
entre a nossa taxa de esforço financeiro e estrutural e o produto operacional conseguido.
Temos, hoje, a oportunidade e a obrigação, em nome do investimento que se faz na Forças Armadas, em
nome do esforço de cada um dos nossos militares e em nome do pleno cumprimento das múltiplas missões,
sempre assumidas e nunca negadas, temos a obrigação, dizia, de dar os passos decisivos que faltam para evitar
a dispersão de meios e algumas entropias legais que ainda condicionam o desempenho das nossas Forças
Armadas.
Aplausos do PS.
Proponho, agora, identificar alguns aspetos específicos destas alterações. Esta é uma reforma que olha para
os desafios do presente e do futuro, não para os do passado. As Forças Armadas não existem para si próprias
e os ramos não existem para si próprios. Estão ao serviço da defesa eficaz do interesse nacional num mundo
cada vez mais conflituoso, mais competitivo e em mudança mais acelerada.
Os fatores que afetam o nosso posicionamento estratégico e a postura das nossas Forças Armadas estão
em transformação, nomeadamente com alterações na distribuição do poder a nível global e regional, com o
rápido desenvolvimento de novas capacidades, com mudanças na tipologia das ameaças e com mudanças na
tipologia das missões prioritárias.
Hoje, temos de nos confrontar com ataques híbridos e ciberataques e com uma evolução brusca de
tecnologias disruptivas, desde a robótica até à inteligência artificial. Temos de desenvolver capacidade de
resposta tecnológica e temos de empenhar forças expedicionárias para lidar com crises de segurança em
regiões que nos interessam, direta ou indiretamente. Temos de o fazer ainda em estreita colaboração com os
nossos parceiros internacionais e com os restantes agentes do Estado, numa postura que tem de ser
abrangente, coerente e coordenada.
Estas mudanças concorrem todas no sentido da necessidade de respostas integradas, conjuntas,
multidimensionais e multidomínio. É isto que vem consagrado no Conceito Estratégico da NATO (North Atlantic
Treaty Organization), de 2010, ou na Estratégia Global da União Europeia, de 2016. É também o que consagra
o nosso Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), de 2013. E é nesse sentido que vão as discussões