I SÉRIE — NÚMERO 67
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em curso na NATO 2020-2030, bem como no quadro da Bússola Estratégica da União Europeia. É essa a
realidade do mundo contemporâneo em que vivemos.
Estranho seria que estas transformações não se refletissem na estrutura de direção e comando superior das
Forças Armadas. Aconteceu isso com os nossos aliados, cada um à sua maneira, mas todos no mesmo sentido,
nomeadamente com a centralização de comando nos CEMGFA (Chefes do Estado-Maior-General das Forças
Armadas). O argumento de que Portugal é de tal forma excecional e diferente, e os desafios que enfrentamos
são de tal modo diversos dos desafios dos nossos aliados, que devermos ficar imunes a esta tendência é um
argumento que carece de razoabilidade.
Este é o contexto histórico e geoestratégico real, e é em resposta a este quadro que fazemos estas propostas,
cujos principais contornos são os que, a seguir, vou enumerar.
Primeiro, no relacionamento político-militar, estabelece-se clareza na linha de comando. Este é um princípio
básico nas Forças Armadas. Um ministro não deve ter a função de gerir individualmente cada um dos ramos na
vertente militar. A atual dispersão no relacionamento da tutela com as Forças Armadas prejudica a orientação
de conjunto e inviabiliza a assunção de responsabilidades. Atualmente, nas grandes questões, que extravasam
o âmbito dos chefes dos ramos individualmente, ou que são transversais às Forças Armadas, a tutela dá
orientações ao CEMGFA, mas este, por sua vez, não tem capacidade de comando efetivo, nem sequer plena
visibilidade em relação àquilo que se passa dentro dos ramos. Com as alterações agora propostas, fica mais
facilmente entendível que à tutela cabe a dimensão político-estratégica, ao CEMGFA cabe a dimensão
estratégico-operacional e aos chefes dos ramos cabe a dimensão operacional e tática, sendo que estes
participam também, cooperativamente, nos domínios estrutural e genético.
Segundo, estas alterações permitem que tenhamos, finalmente, coerência entre responsabilidade e poderes
estipulados na lei. Diz a LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas), que o CEMGFA
é responsável «perante o Governo pela capacidade de resposta militar das Forças Armadas». Parece taxativo.
Porém, existe um descompasso entre esta responsabilização e os poderes que a lei atribui ao CEMGFA. Esta
reforma visa corrigir este descompasso, fazendo coincidir responsabilidades com atribuições na lei.
Terceiro, é evidente que, para o desempenho das suas funções, o EMGFA (Estado-Maior-General das
Forças Armadas) deve saber, a cada momento, onde estão empenhados os meios das Forças Armadas e quais
estão disponíveis. A atual redação da lei, ao determinar como competência própria dos ramos as «missões
reguladas por legislação própria», é fonte de inúmeras disputas jurídicas e operacionais. Nesta proposta define-
se claramente quais são as missões próprias dos ramos, de forma a garantir a eficaz gestão de um sistema de
forças que é único.
Quarto, precisamos de desenvolver mecanismos para pensar o que queremos para as nossas Forças
Armadas como um todo e precisamos de desenvolver doutrina conjunta.
No passado e atualmente, não é possível trabalhar de forma clara e consistente o futuro das Forças Armadas
como um todo e o investimento através da Lei de Programação Militar é um bom exemplo. Com estas alterações,
o investimento passa a ser feito pensando na lógica de conjunto das Forças Armadas, o que é fundamental num
quadro em que as nossas missões cada vez mais o exigem.
Os nossos recursos serão sempre escassos face às necessidades e não podemos correr o risco de, por
exemplo, as áreas de ciberdefesa ou os drones ou o espaço ou outras tecnologias disruptivas, que podem não
corresponder às prioridades tradicionais de cada ramo individualmente, não terem o devido financiamento.
Para termos as Forças Armadas devidamente equipadas para o futuro, que é já o presente que vivemos,
devemos ter equipamentos ao serviço do conjunto das Forças Armadas. Sem prejuízo das especificidades e
das especialidades de cada ramo, os ramos devem ser geridos numa lógica global, em função das missões
atribuídas às Forças Armadas.
Quinto, quero sublinhar que optámos conscientemente por não extinguir os Estados-Maiores dos ramos, uma
opção que nos diferencia de diversos outros países da nossa dimensão. A função essencial dos ramos é clara
e vital para as nossas Forças Armadas, correspondendo essencialmente à geração de forças, ao seu
aprontamento e à sua sustentação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta é uma mudança prudente e ponderada, sustentada e aconselhada pela
experiência das reformas de 2009 e de 2014 e também pelas experiências acumuladas na gestão das missões
diversas das Forças Armadas e na permanente coordenação com outras instituições nacionais e internacionais,
incluindo as valiosas lições do combate à pandemia.