20 DE MAIO DE 2021
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Tive um acidente, há alguns meses, que me causou um ferimento, e não tive direito ao seguro, pois já tinha
completado a entrega, apesar de ainda estar online e trabalhando para a plataforma. Por isso, não pude fazer
o tratamento adequado, pois teria de ficar de repouso e perderia os meus rendimentos.
Já aconteceu algumas vezes os estafetas juntarem dinheiro para ajudarem algum colega que teve um
acidente a pagar pelo tratamento médico e a auxiliar a família durante a recuperação.
Frequentemente, os estafetas são suspensos das plataformas, com as suas contas bloqueadas, sob
suspeita de fraude ou de má conduta, que muitas vezes se trata de erros e enganos dos sistemas, mas essas
pessoas não recebem explicação específica nenhuma sobre o motivo do bloqueio da conta, não têm nenhum
direito a recorrer e nunca mais voltam a trabalhar para a plataforma.
É por estes e outros motivos que estas empresas não querem que sejamos considerados trabalhadores por
conta de outrem. Dizem que somos independentes e autónomos para mascararem a nossa exploração e nos
privarem daquilo a que temos direito.
É o avanço científico, mais uma vez em contradição com o progresso social, traço característico do modo
de produção capitalista e das sociedades de classes.»
Sr.ª Ministra do Trabalho, o que acabou de ouvir é parte de uma intervenção de um camarada meu,
estudante e estafeta das plataformas eletrónicas, intervindo no XII Congresso da Juventude Comunista
Portuguesa, esta semana.
Aplausos do PCP.
O que acabou de ouvir é a realidade de milhares e milhares de trabalhadores deste País, de motoristas de
TVDE (transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados), estafetas das
entregas, tratados como se fossem a peça mais barata de um carro ou de uma mota ou bicicleta.
É esta a vossa modernidade, Srs. Membros do Governo? É este o futuro que querem a enquadrar os
vossos livros verdes, diretivas e cimeiras? Ou vão assumir, de uma vez por todas, que é preciso erradicar a
praga da precariedade, da monitorização «algoritmizada», da casualidade do trabalho, da exploração
digitalizada?
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Soeiro, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, o Partido Socialista e o Governo minoritário do Partido Socialista têm um tabu em relação às leis do trabalho. O Partido Socialista
acha normal proclamar que quer construir um apoio parlamentar à esquerda sem mexer em nada de estrutural
da legislação do trabalho, da regulação do trabalho, do regime laboral, da relação de forças entre
trabalhadores e patronato.
Não tocar no regime laboral e nas matérias estruturais do trabalho e encontrar apenas convergências com
a direita parece que é o que tem acontecido com este Governo, seja na defesa do legado da troica e das
alterações que o PSD e o CDS fizeram à legislação laboral, que o Partido Socialista tem entendido que são
intocáveis, seja na defesa do alargamento do período experimental, que quer o Partido Socialista, quer o PSD
defendem e que a esquerda considerou inconstitucional, pedindo a fiscalização ao Tribunal Constitucional,
seja, agora, no debate sobre o teletrabalho, em que parece haver uma aproximação entre PS e PSD, para que
não haja normas imperativas na lei e regras imperativas a obrigar os empregadores, os patrões a pagar o
acréscimo de despesas ou a respeitarem os tempos de trabalho.
Este tabu do Partido Socialista é um problema de fundo nas respostas estruturais ao País. É um problema
de fundo porque é um bloqueio criado pelo Partido Socialista relativamente às soluções políticas de que o País
precisa.
Pela nossa parte, não vamos abdicar de fazer este debate, seja relativamente às matérias que já temos
vindo a debater e que já vêm de trás — por exemplo, a caducidade unilateral da contratação coletiva, o
princípio do tratamento mais favorável, as compensações por despedimento, que foram cortadas para menos