I SÉRIE — NÚMERO 68
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de metade, os contratos a prazo ou a regulação do trabalho temporário, as leis do despedimento, que o
próprio Partido Socialista rejeitou durante a Legislatura em que o PSD e o CDS tinham maioria absoluta e que
continua agora a manter na lei — seja, também, no debate que estamos neste momento a fazer.
É sabido que, seja em Odemira, seja no Ribatejo, seja um pouco por todo o País onde existe produção
agrícola intensiva, a exploração, o abuso laboral, a precariedade, o trabalho forçado e o trabalho escravo têm
sido uma constante. E essa forma flagrante de exploração e de ofensa aos direitos laborais e aos direitos
humanos alimenta-se de uma cascata de subcontratações, em que as explorações agrícolas recorrem a
engajadores, a empresas de trabalho temporário, a empresas prestadoras de serviços que fornecem mão de
obra, muitas vezes sem qualquer respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Em 2016, criámos uma lei precisamente para responder a isto: o artigo 551.º do Código do Trabalho
estabelece uma responsabilidade solidária de toda a cadeia de contratação. Ora, a informação que temos,
seja de procuradores da República, seja de inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho é a de
que este artigo nunca foi utilizado.
Se a Sr.ª Ministra tem informação diferente, diga-nos, porque isso é o que nos dizem!
Aliás, ao arrepio das orientações recentes da ACT, que remetem para a existência de uma culpa subjetiva
do dono da exploração agrícola, para que possa ser responsabilizado solidariamente — ou seja, a ideia de
que, sabendo ou não sabendo o que se passa ali, é sua responsabilidade, porque o dono da produção
agrícola beneficia da exploração daqueles trabalhadores, mesmo que a relação laboral não seja com ele ou
com ela —, esse objetivo da lei, neste momento, não está a ser cumprido.
O Bloco de Esquerda agendou um debate potestativo para o dia 26 de maio no sentido de o Parlamento
proceder à alteração dessa lei e para clarificarmos que tem de haver uma responsabilidade direta de toda a
cadeia: do dono da exploração agrícola, da empresa subcontratada, do engajador que fornece a mão de obra
à empresa subcontratada. Todos, no mesmo momento, têm de ser responsabilizados não apenas pelo
pagamento das coimas, mas pelos ilícitos, pela violação da lei, pela exploração dos trabalhadores, pelo
trabalho forçado e pela violação dos direitos humanos. Queria perguntar-lhe se está disponível para fazer esse
debate.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Há também uma outra matéria, que é objeto de um debate recente, para além do teletrabalho, e que se prende com a questão das plataformas.
Em vários países, os tribunais têm vindo a dar razão aos trabalhadores das plataformas e a dizer que estes
são trabalhadores por conta de outrem e que devem ter um contrato de trabalho com as plataformas, porque
estas não são uns intermediários entre uns empreendedores e uns clientes; as plataformas são os
empregadores, são a entidade empregadora dos estafetas ou dos motoristas de TVDE.
Na verdade, esses tribunais têm vindo a requalificar relações de trabalho que estão dissimuladas enquanto
trabalho independente ou por empresários em nome individual, dizendo «estes trabalhadores têm direito a um
contrato.»
Portugal é, do ponto de vista da regulação desta matéria, um péssimo exemplo a nível mundial. Já aqui
insisti sobre isso e penso que temos uma legislação única em todo o mundo, uma legislação que foi feita para
impedir, proibir que haja um contrato direto entre o trabalhador e a plataforma e que reconhece a possibilidade
de que haja uma subordinação jurídica, ou seja, um contrato de trabalho, mas sempre com um intermediário e
nunca com a plataforma.
Há, neste momento, uma diretiva europeia que está a ser discutida, preparada, e há um intenso e febril lóbi
das plataformas, das grandes multinacionais das plataformas, junto da Comissão Europeia e dos vários
governos europeus e, certamente, também junto do Governo português. O objetivo desse lóbi é defender a
posição de acordo com a qual o assalariamento dos trabalhadores, ou seja, o reconhecimento dos contratos
de trabalho com as plataformas é incompatível com o modelo de negócio das plataformas.
Na Europa, estão a ser discutidos dois caminhos diferentes e antagónicos. Uma solução é aquela pela qual
este lóbi das plataformas move os seus interesses. É uma solução que a direita, em toda a Europa, vem
defendendo: acomodar as exigências das multinacionais, colocando os trabalhadores das plataformas numa
espécie de terceiro estatuto — nem são trabalhadores por conta de outrem nem trabalhadores independentes