3 DE JUNHO DE 2021
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, então, passar à fase de encerramento deste debate. Tem a palavra, para esse efeito, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Beatriz
Gomes Dias.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado e Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A cultura é um direito fundamental, fundamental para qualquer pessoa,
fundamental para qualquer sociedade. O direito de participar livremente na vida cultural da comunidade, o
acesso à fruição e à criação cultural estão consagrados no artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e no artigo 73.º da Constituição da República Portuguesa.
Foi necessária uma pandemia para que se tornasse evidente o drama de uma política cultural que esquece
que a cultura é também uma atividade profissional da qual dependem trabalhadores, trabalhadoras e famílias
para sobreviver. Artistas, autores, uma infinidade de técnicos, guias, assistentes de sala, como trabalhadores,
precisam de contratos de trabalho.
Com a paralisação provocada pela pandemia, milhares de trabalhadores e trabalhadoras viram-se a braços
com grandes dificuldades para manter satisfeitas as suas necessidades mais básicas. Trabalhadoras do circo,
artesãs, artistas visuais, atores, músicos, educadores ou técnicos de várias especialidades viram-se sem
trabalho e sem proteção social.
Mas, neste período tão duro, fez-se sentir a solidariedade entre os trabalhadores da cultura e também a força
reivindicativa dos trabalhadores e das trabalhadoras da cultura. Exigem a várias vozes, mas em uníssono: quem
trabalha na cultura tem de ter direito a carreira contributiva, a subsídio de desemprego e a um contrato de
trabalho.
O Ministério da Cultura, por seu lado, revelou o profundo desconhecimento do setor no desenho dos apoios,
com regras impossíveis de cumprir e que deixam de fora milhares de trabalhadoras e trabalhadores.
O Governo continua a ignorar as falhas estruturais da política cultural que normalizou a precariedade, mas
ainda pode fazer diferente.
O estatuto do trabalhador da cultura foi aprovado, em Conselho de Ministros, a 22 de abril, e está em consulta
pública até 17 de junho de 2021. Esta é uma reivindicação antiga do setor, defendida como um instrumento para
acabar com a precariedade e garantir a proteção social, mas a proposta do Governo não responde porque aceita
o falso argumento do «trabalho autónomo» na cultura.
É necessário combater o problema na raiz e determinar o contrato de trabalho como norma — como exigem
as leis do trabalho —, reforçar a fiscalização, assumir o compromisso do Estado com as regras do trabalho e o
combate determinado às más práticas das grandes instituições com financiamento público.
O estatuto proposto também não responde na proteção social. Prevê mais apoio para uma parte dos
trabalhadores e das trabalhadoras, mas sem garantia de efetivação e exigindo um aumento da carga
contributiva, aumento demasiado elevado, face ao novo subsídio a auferir. Não acaba com a desproteção: o
subsídio de suspensão de atividade estabelece que um trabalhador terá de estar três meses sem rendimento
para poder aceder.
Sr.ª Ministra, registamos que hoje nada nos disse sobre como combater o abuso laboral. Nada sobre a
decisão da ACT sobre Serralves e a Casa da Música e a resistência das administrações em cumprir a lei do
trabalho. Não disse sequer que acredita que o estatuto que propõe melhora concretamente a vida dos
trabalhadores da cultura. Queremos acreditar que talvez ainda o corrija e compreenda que, na cultura, como em
todos os setores, a regra tem de ser o contrato de trabalho e a proteção social um apoio efetivo.
Também não respondeu sobre os quadros da Direção-Geral do Património e dos museus, palácios e
monumentos, nem sobre a própria orgânica do setor e as propostas que tem em cima da mesa. Sem
trabalhadores e sem autonomia nenhum destes equipamentos funciona e são o acesso à cultura, a produção
científica e a própria preservação do património que estão em causa.
Quanto ao serviço público de rádio e televisão, a resposta de hoje do Sr. Secretário de Estado foi exatamente
a que temíamos. Como o contrato que acabava há dois anos não foi cumprido, então, o novo contrato, já
atrasado dois anos, também não é para cumprir. A RTP só tem plano se tiver dinheiro, diz o Governo, mas o
Governo só garante o plano, não garante o dinheiro. E o que se antevê para a RTP é o de sempre: obsolescência
tecnológica, dependência dos fornecedores, precariedade, estagnação salarial, delapidação de património,
improviso.