I SÉRIE — NÚMERO 78
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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado, falar de competitividade, na verdade, tem sempre significados bastante diferentes dependendo de onde venha a
proposta de debate.
À direita, regra geral, usa-se o debate para atacar serviços públicos, para fazer odes ao liberalismo que
esconde, de forma propositada, modelos de precariedade que não podem justificar tudo. Portanto, na verdade,
isso tem pouco interesse porque nos importa perceber de que forma é que o País consegue crescer
economicamente ao mesmo tempo que avança com direitos, com salários e, em especial, no momento que
vivemos a mãos com uma crise provocada pela pandemia que já tem consequências sociais e consequências
económicas.
Ora, Sr. Secretário de Estado, é no âmbito de como conseguimos ultrapassar esta crise que gostaria de lhe
colocar duas questões sobre dois temas muito concretos que têm tudo que ver com este debate da
competitividade.
Em primeiro lugar, refiro a importância de valorizar o conhecimento, a investigação, enquanto motor de
crescimento económico e como potenciador da própria indústria nacional. Para que tal possa acontecer não
podemos admitir declarações como as do Ministro da Ciência e do Ensino Superior ontem mesmo. Disse o
Ministro Manuel Heitor, e cito: «Sou radicalmente contra contratos de trabalho. É um princípio de base».
Srs. Membros do Governo, é inadmissível que o responsável pela ciência em Portugal tenha esta visão,
porque não é possível querer um país competitivo na investigação e depois termos apenas um, em cinco
investigadores, com contrato sem termo. Não é possível querer um país competitivo na investigação e no
conhecimento sem infraestruturas e investimento sério.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, pergunto-lhe se considera que podemos continuar com um modelo
assente em precariedade como aquele que temos visto na área da investigação e do conhecimento. Já que na
sua intervenção inicial falou do investimento na investigação e no desenvolvimento, como é que o Governo
pretende intervir de forma mais robusta em ciência em Portugal para que se possa acabar com este modelo
vigente de precariedade e, assim, potenciar o excelente trabalho de investigação que se faz, em especial no
setor público, no nosso País e que tanta relevância em tido, e pode continuar a ter, para a própria economia
portuguesa?
Em segundo lugar, refiro outra matéria que tem que ver com salários e com trabalho. Já percebemos que,
no debate sobre competitividade, não raras vezes vem agregada uma ideia de que Portugal é competitivo por
causa dos salários baixos. Aliás, hoje mesmo, percebemos que, para a direita, este tema não tem sequer lugar
neste debate. É um pouco triste para todo o País, mas também não é nenhuma novidade que assim seja.
O que nós achamos é que esta ideia, que o Sr. Secretário de Estado também referiu na sua intervenção
inicial, tem de continuar a ser combatida, mas precisamos de esclarecer de que forma é que, na prática, isto vai
ser feito. Ou seja, como disse, a valorização dos salários é urgente e essencial para podermos ter uma economia
mais robusta, mas não podemos descartar, por exemplo, a crescente onda de lutas laborais justíssimas pela
valorização social, em especial no último ano, porque estamos a iniciar mais fortemente uma crise.
Não podemos, por exemplo, descartar o facto de os salários de pessoas licenciadas em Portugal ter caído
17% entre 2010 e 2018 e, acima de tudo, que precisamos de ter uma lei laboral que corresponda a melhores
condições de trabalho. E, aí, pergunto-lhe porque é que o Governo, nomeadamente o Partido Socialista, não
tem acompanhado as propostas que o Bloco de Esquerda tem apresentado para melhorar questões como a
contratação coletiva, o tratamento mais favorável e para retirar a ideia peregrina de que o período experimental
pode ser prolongado por não sei quantos meses.
Para terminar, quero ainda deixar-lhe a questão sobre os salários, porque sabemos que a concertação social,
neste debate específico, tem servido para o Governo deixar demasiadas vezes tudo na mesma e travar avanços
importantes.
Portanto, pergunto-lhe como é que o Governo olha para isto e se tem ou não uma estratégia concreta para
a valorização dos salários e em consequência para a qualificação do emprego e da própria economia.