I SÉRIE — NÚMERO 78
48
A ideia que se tenta passar é a de que se chegou lá de forma diferente daquela como se chegou. Na
realidade, chegámos ao superavit porque o Governo, sistematicamente, cobra mais impostos do que aquilo que
diz que cobra e executa muito menos despesa do que aquela que anuncia. Foi assim que nós chegámos lá.
Por isso, gostava de esclarecer que, ao contrário do que diz a Sr.ª Secretária de Estado, a consolidação
orçamental não começou em 2016. Quando muito, em 2016, a consolidação orçamental começou a ser mais
lenta e começou, sobretudo, a ser insustentável.
Em segundo lugar, também gostava de esclarecer que o investimento público, ao contrário do que diz, não
aumentou. Ou seja, o investimento público, em 2016, foi levado a mínimos tais, foi contraído de tal maneira, —
aliás, aqui com o aval e com o beneplácito do Bloco de Esquerda e do PCP, que são sempre muito esquecidos
em relação a esta matéria —, foi levado a um tal grau de depauperação e de miséria que, ao longo dos quatro
anos seguintes, foi sempre aumentando um bocadinho, permitindo aos senhores dizerem, com um ar muito feliz:
«O investimento público aumentou!»
Não é verdade! Aumentou em relação ao ano anterior — diz a Sr.ª Secretária de Estado —, 224 milhões de
euros, mas esquece-se de dizer que ficou 900 milhões de euros abaixo do que o próprio Governo tinha
anunciado. Esta parte fica sempre por dizer.
Segundo o Conselho Económico e Social, se considerarmos «o investimento como um todo, verificamos que
o mesmo é insuficiente para fazer face à reposição necessária de capital fixo, contribuindo, assim, para uma
degradação da qualidade dos serviços públicos». Este, sim, foi o segredo para a consolidação orçamental: é,
basicamente, vir aqui anunciar grandes investimentos em grandes sítios e depois, pura e simplesmente, não os
fazer.
Aliás, eu chamava também a atenção para o facto de o Tribunal de Contas se referir quer às famosas
cativações, que continuam a ser uma realidade, quer a todas as outras formas criativas de impedir despesa e,
mais do que impedir despesa, de disfarçar escolhas discricionárias do Governo para garantir votos, aqui, no
Parlamento, que, depois, não correspondem às escolhas reais. Por exemplo, o reforço de dotações
suborçamentadas com recurso à dotação provisional, que o Tribunal de Contas diz que é para despesas
inesperadas, tem-se vindo a consolidar como uma espécie de saco de onde saem as despesas que o Estado já
sabe, mais ou menos, que vão ter de acontecer mas não quer anunciar aqui e, depois, compensa com
investimentos, que são aqui votados e negociados mas que nunca chegam a sair do papel.
O que me parece que seria muito importante nestas discussões da Conta Geral do Estado — e esse também
é um alerta que foi feito por várias entidades — é que pudéssemos comparar com políticas que tivessem
dotações aquilo que ficou por fazer e aquilo que foi feito. Isso é uma coisa que não é tradição e que, infelizmente,
continua sem fazer-se na Conta Geral do Estado.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: A Conta que nos é hoje apresentada fica marcada por um dado que é indelével, que é o facto de uma grande parte daquilo que foi
orçamentado ser, na verdade, não executado.
Estamos a falar de uma verba de quase 50% de valores que não foram executados em termos de
investimento e em termos de aplicação financeira. Assim, é fácil conseguir fazer projeções com números de
consolidação sem depois os concretizar.
É importante sublinhar que estamos a falar de um ano em que, relativamente à mesma Conta, o Ministro
tinha dito no ano anterior que não subiria a carga fiscal, mas voltámos a ter um aumento de carga fiscal. E neste
mesmo ano, em junho, tivemos um máximo histórico quer da gasolina, quer do gasóleo, o que significa que o
Governo falhou a sua promessa de que não subiria os impostos e não aplicaria mais carga fiscal.
Em junho de 2019, tivemos um novo máximo em relação a esta matéria, mas foi também em 2019 que, pela
primeira vez, Portugal ficou registado como o quarto País da União Europeia com a luz e com o gás mais caros
por incidência da carga fiscal.
Com tudo isto não era difícil ter um superavit e, com tudo isto, não era difícil ter contas fiscais e orçamentais
equilibradas para apresentar.