I SÉRIE — NÚMERO 21
4
Vamos, então, entrar no primeiro ponto da nossa agenda e, para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado
João Cotrim de Figueiredo.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui hoje, não para falar de futebol, mas para falar de liberdade. Estamos aqui hoje para acabar com esta bizarria que é o
cartão do adepto. Estamos aqui para dizer «não» ao cartão.
Dizer «não» ao cartão é importante. É importante resistirmos a todas as limitações, pequenas ou grandes,
que o Estado quer impor às nossas liberdades individuais. São limitações sempre decretadas supostamente
para o nosso bem, para a nossa segurança, para o nosso bem-estar. Mas não nos deixemos enganar: esta
legislação do cartão do adepto limita direitos fundamentais das pessoas, limita a sua liberdade de aceder a
certas zonas dos recintos desportivos, limita a idade de quem acede a essas zonas e impede grupos familiares
ou de amigos de ver os jogos juntos.
Dizer «não» ao cartão é combater a discriminação entre adeptos. O que este cartão faz é, efetivamente,
discriminar pessoas e estigmatizar certos grupos de cidadãos. É inadmissível que o Estado, que se devia
preocupar em preservar o princípio da presunção de inocência, ache normal assumir nesta lei a presunção de
culpabilidade.
Dizer «não» ao cartão é também urgente. A época desportiva já vai a meio e as bancadas vazias que temos
visto em todos os estádios não são só um atestado à ineficácia da medida, são também um atentado à
sustentabilidade financeira dos clubes, em especial dos mais pequenos, que, depois de duas épocas dramáticas,
passam bem sem mais este rombo nas suas finanças.
Dizer «não» ao cartão é corrigir o que não funciona, nem funcionará no combate à violência no desporto.
Basta, aliás, ver o que se passou em todos os países que experimentaram soluções parecidas: Bélgica, Polónia,
Croácia, Hungria e Chipre voltaram atrás; Itália e Turquia estão a fazê-lo; e Dinamarca e Reino Unido
ponderaram a ideia no passado e optaram por nem avançar. Todos perceberam que não funciona. O Governo
decidiu ignorar todos estes exemplos — hoje, ainda não se sabe porquê.
Para perceber que o cartão do adepto não funciona, bastaria olhar para as bancadas vazias nos estádios;
bastaria saber que já há clubes a pedir a redução da lotação das chamadas «zonas com condições especiais
de acesso», porque perceberam que vão continuar vazias; bastaria ter atenção à oposição unânime de clubes,
de SAD (Sociedades Anónimas Desportivas) e de organizações de adeptos (ainda ontem, 31 organizações de
adeptos assumiram uma posição conjunta contra o cartão do adepto) e também a opinião pública, em geral. Até
a sempre titubeante Liga de Clubes se mostra contra o cartão. Ninguém defende esta lei, mas o Governo acha
que ele é que está certo.
O problema da violência, do racismo e da xenofobia no desporto é real e tem de ser combatido. Mas qualquer
pessoa de bom senso percebe que os elementos mais violentos, por vezes com motivações extradesportivas,
nunca, mas nunca, aderirão ao cartão do adepto, continuarão a ir aos estádios, dispersos entre a restante
assistência, assim contribuindo para que se torne impossível qualquer prevenção prévia ou identificação
posterior. Este cartão não só não resolve o problema, como o piora.
Não dizer «não» ao cartão é não levar a Constituição a sério. É que, se levarmos a sério o princípio da
igualdade do artigo 13.º, o princípio da proporcionalidade do artigo 18.º, se levarmos a sério a liberdade de
associação do artigo 46.º, então, não podemos levar a sério este cartão do adepto.
A aberração jurídica vai mais longe: o Governo introduziu, por portaria, um diploma de natureza
administrativa, uma limitação de acesso aos menores de 16 anos. Em Portugal, em 2021, temos direitos
constitucionais a serem limitados por portaria — é inaceitável!
Dizer «não» ao cartão é evitar o ridículo. Esta lei prevê que, para aceder a determinadas zonas dos recintos,
sejam necessários nada mais, nada menos do que até quatro papéis: o bilhete de jogo, o cartão de cidadão, o
cartão de sócio e o cartão do adepto. Já o disse nesta Casa, este Governo conseguiu transformar a ida a um
jogo de futebol numa experiência mais desagradável do que uma ida a uma repartição de finanças. Só mesmo
o PS, para tirar o gosto ao que devia ser um prazer.
Ridículo é, também, o papel da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD).
Serve exatamente para quê? Para além de instalar uns boys do PS na cidade natal do Secretário de Estado, a
APCVD cobra a taxa — é o amor do PS às taxas! — de emissão do cartão e faz umas campanhas de que
ninguém se lembra. O resto é o exercício de funções que não lhe deveriam competir. As funções inspetivas e