I SÉRIE — NÚMERO 24
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Sabemos que há um conjunto de dimensões muito significativo deste problema da habitação e que muitas
delas passam por uma resposta de fundo não apenas por via da construção de habitação pública, mas também
por via das alterações às regras do arrendamento, nomeadamente com a revogação da «lei Cristas» ou «lei dos
despejos», como se queira chamar-lhe, e com a aprovação de um verdadeiro regime de arrendamento que
proteja e garanta o direito à habitação através de arrendamento. Trouxemos essas propostas à discussão em
setembro passado e decidimos que não era sobre elas que a Assembleia da República precisava de se
pronunciar nestes últimos dias da Legislatura, a qual terminará em breve.
Por isso, trouxemos à Assembleia da República a discussão sobre um projeto de lei com medidas que
constituem um regime excecional e temporário de proteção ao arrendamento, medidas que, precisamente pelo
seu carácter de urgência, justificam o agendamento potestativo e a urgência na deliberação por parte da
Assembleia da República.
Para as Sr.as e Srs. Deputados que eventualmente possam já estar desligados da realidade que obrigou à
aprovação destas medidas, ainda não há dois anos, relembro que o primeiro caso de infeção por COVID-19 no
nosso País foi identificado no dia 2 de março de 2020 e que 17 dias depois estava a ser publicada no Diárioda
República a Lei n.º 1-A/2020, com um conjunto de medidas excecionais e temporárias de resposta às
consequências económicas e sociais da epidemia provocada pela COVID-19, que incluía, no seu artigo 8.º, as
medidas que o PCP hoje trouxe novamente à discussão.
Sr.as e Srs. Deputados, se em março de 2020 foi preciso tomar medidas excecionais e temporárias de
proteção para os arrendatários, essa é a primeira constatação e a primeira prova inequívoca de que o regime
do arrendamento urbano que temos hoje em vigor em Portugal não serve para proteger os arrendatários. E não
serve para proteger os arrendatários porque, perante uma situação de calamidade em função de uma epidemia,
o risco de perda da habitação foi identificado como um dos principais riscos, exigindo, por isso, essas medidas
urgentes que foram tomadas em março de 2020.
Esta, Sr.as e Srs. Deputados, é uma constatação que há muito tempo está feita. Não foi apenas em 2012 que
se constatou isso quando aqui foram discutidas as alterações que deram origem à «lei Cristas», constatou-se
ao longo de anos. Aliás, fomos chamando a atenção para as situações de desproteção para que essa «lei
Cristas» empurrou os arrendatários do nosso País, para as sucessivas situações de despejo, de desproteção
de famílias, particularmente de pessoas em situação de especial vulnerabilidade que a lei não protegia e que
viram perder a sua habitação ao longo do tempo.
Já hoje foi relembrado pelo Grupo Parlamentar do PCP o exemplo verdadeiramente dramático das 150
famílias que eram arrendatárias e que perderam as suas casas praticamente do dia para a noite, porque, no
negócio feito pela Fidelidade com um fundo imobiliário, colocou-se a necessidade de despejo daquelas famílias
para garantir a especulação imobiliária e, por essa via, a obtenção de lucros milionários.
Se não houve, ao longo destes anos, suficientes situações dramáticas que comprovassem a desproteção a
que os arrendatários estão sujeitos por via da «lei Cristas», pergunto: o que mais é preciso acontecer no nosso
País para que isso seja efetivamente reconhecido?
Essa conjugação verdadeiramente explosiva da «lei Cristas» com a especulação imobiliária, particularmente
aquela a que assistimos entre 2016 e 2019, transformaram o que até aí eram preocupações na constatação de
uma realidade que é realmente dramática em relação à habitação e numa situação que poderia ter sido resolvida
também nesse período. Isto porque, também entre 2015 e 2019, na Legislatura anterior, esse problema poderia
ter sido resolvido, revogando-se a «lei Cristas» e aprovando-se um regime de arrendamento adequado. Porque
é que não houve decisão nesse sentido? Porque o PS se constituiu como uma força de bloqueio a essas
soluções.
Aplausos do PCP.
Em vez de garantir a revogação da «lei Cristas» e a aprovação de um regime de arrendamento que
protegesse efetivamente os arrendatários, o PS optou por manter a «lei Cristas» e apenas tomar decisões de
prorrogação da norma-travão relativamente aos contratos anteriores a 1990 e aos arrendatários com mais de
65 anos ou com deficiência.
A circunstância em que estamos hoje, Sr.as e Srs. Deputados, é consequência direta dessas opções do PS.
Não tivesse o PS, na anterior Legislatura, empurrado este problema com a barriga, com a prorrogação por mais