26 DE NOVEMBRO DE 2021
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maior, dado que se trata de um direito que cabe ao trabalhador exercer nos moldes em que entenda e não de
uma obrigação independente da sua vontade.
O que não pode acontecer é estarem os trabalhadores dependentes daquilo que é o entendimento da sua
entidade patronal. À lei cabe garantir, nesta matéria, que a todos os trabalhadores é assegurado o mesmo
direito a estes dias e é esse o passo que hoje devemos dar.
Aliás, existe ainda uma outra lacuna a que não devemos virar a cara, mesmo que seja caso diferente. O
Código do Trabalho não prevê a concessão de qualquer período nos casos de perda gestacional. Ora, esta é,
na realidade, uma espécie de luto não reconhecido, porque não existe ainda uma validação social desta perda,
mesmo que ela possa implicar um forte impacto emocional, psicológico, físico, ao qual deve, na nossa opinião,
corresponder um período de recuperação que tem de ter expressão na lei do trabalho. Garantir, nestes casos,
o direito a faltar justificadamente ao trabalho é também da mais elementar justiça.
Não faltam estudos, de resto, a demonstrar que, quanto mais avançada está a gravidez, maior é o
sentimento de perda e de choque. O Bloco propõe que seja possível faltar justificadamente ao trabalho nos
casos de perda gestacional, definindo prazos diferentes consoante se trate do 1.º trimestre ou após o 1.º
trimestre.
Finalmente, a par destas alterações ao período de faltas justificadas em caso de luto parental, de morte de
parentes e de perda gestacional — naturalmente com um número diferente de dias —, importa clarificar um
aspeto mais técnico, mas de grande impacto na aplicação da lei. É que, para efeitos da contagem do prazo, os
dias de descanso, as férias e os dias feriados não devem ser contabilizados.
Esta alteração vai ao encontro do entendimento já validado pela Autoridade para as Condições do Trabalho
(ACT), por via de uma nota técnica, pela Provedoria de Justiça e por vasta doutrina. De acordo com todas
essas autoridades, o prazo de contagem destas faltas deve ser suspenso nos dias de descanso, dias feriados
e férias, uma vez que estão em causa faltas que têm de ocorrer em dias de trabalho efetivo. Mesmo estando
este entendimento hoje muito mais consolidado do que no passado, sabemos bem que muitas empresas
continuam a disputar esta interpretação, pelo que nada como clarificar na lei o sentido da aplicação da norma.
Termino como comecei e novamente saudando a associação Acreditar. Esta associação, que se dedica ao
acompanhamento de crianças e familiares no contexto de doenças oncológicas, conseguiu inscrever o tema
do luto parental na agenda e conseguiu que quase todos os partidos apresentassem propostas.
Com a força da causa da Acreditar, com os seus testemunhos que a todos sensibilizaram, caíram os
obstáculos do costume à alteração da lei do trabalho. Nenhum partido ousou exigir o acordo da concertação
social ou defendeu a estabilidade da lei laboral nesta matéria. Nenhum partido se opôs a alterações pontuais à
lei laboral.
O Código do Trabalho vai mesmo mudar por impulso da Acreditar e por iniciativa da Assembleia da
República e a alteração será, ao que tudo indica, consensual e rápida.
Saudamos, reconhecidamente, a associação Acreditar por esta mobilização cidadã e cívica. É uma
conquista importantíssima num tema tão sensível e é um exemplo também que fica para outras pessoas que
lutam por justiça e por reconhecimento.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Joacine Katar Moreira.
A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Garantir o direito ao luto em condições dignas e humanizantes é um imperativo de justiça social e uma necessidade irrenunciável numa
sociedade que visa fomentar a compaixão entre os seus cidadãos e cidadãs e garantir a qualidade de vida a
vários níveis, o respeito pelas vidas destes indivíduos e o respeito pelas vidas dos seus familiares e dos seus
próximos.
Agradeço à associação Acreditar por nos ter orientado e agradeço igualmente aos vários partidos a união
numa área que não tem nada que ver com ideologias, que não tem nada que ver com mais nada a não ser
com a existência humana.