16 DE SETEMBRO DE 2023
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Na saúde em Portugal, uma imagem do Estado Novo, reproduzida num documentário da RTP (Rádio e Televisão de Portugal) a propósito do 30.º aniversário da criação do SNS, explicava que, naquela altura — leia-se «antes da Revolução de Abril» —, não havia absolutamente nada, nem apoio para ninguém.
Explicava que os médicos não tinham remuneração. Explicava que, em Bragança, havia um hospital muito mal montado, que os médicos não ganhavam nada, a não serem os porcos, perus, galinhas com que os pobres que viviam nas aldeias retribuíam pela consulta, que os médicos não podiam cobrar, porque os pobres, quem precisava de cuidados médicos, não tinham meios para pagar.
Para chegarem às aldeias, quantos médicos não percorriam, a pé ou a cavalo, porque não havia carros, ambulâncias e bombeiros, caminhos de terra, de dia e de noite, sem luz pública, apenas para salvar, mas também, muitas vezes, para não salvar, crianças, mulheres, homens, idosos, cuja esperança média de vida ultrapassava pouco os 50 anos de idade?
Morria-se, sobretudo, de doenças infetocontagiosas, o que ampliava em muito o risco dos próprios profissionais de saúde. Tifo, varíola, tuberculose, doenças que hoje quase desconhecemos, mas também simples gripes eram as principais causas de morte. Só mais tarde — não havia antibióticos — é que surgiu a penicilina injetável.
Foi este País atrasado que motivou a ideia de um serviço público de saúde para todos. Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, hoje há um exercício que talvez seja útil a esta Câmara fazer em conjunto: no dia 15 de setembro de 2023, em Lisboa, aqui, no Palácio de São Bento, vamos fechar os olhos e olhar o País.
Vamos fechar os olhos e imaginar Portugal, as nossas terras, as nossas gentes, sem hospitais, sem centros de saúde, sem farmácias, sem bombeiros, sem ambulâncias, sem médicos e outros profissionais — e, quando existiam, eram tão poucos os pagos pelo salário do Estado —, um País em que os cuidados prestados à generalidade dos portugueses, mas especialmente aos mais pobres, assentavam essencialmente no humanismo, claramente insuficiente, dos médicos, dos farmacêuticos e dos enfermeiros.
Talvez fosse útil recordar aos mais esquecidos desta Câmara, àqueles que nunca nada fizeram, que, em conjunto, neste 44.º aniversário, devemos reconhecer como avançámos, agradecer por esta conquista, por esta ideia de serviço público para todos, e reconhecer que a descrição de um Portugal atrasado também na saúde torna ainda mais valorosa a ideia de quem acreditou num país que, nada tendo, sonhou e conseguiu ter o que tem hoje.
Aplausos do PS. «Não se trata de uma utopia. Porque o sonho se faz obra pelo trabalho, pela perseverança e pelo calor
humano dos atos. Realizaremos o possível e procuraremos modelar o impossível para que o futuro o torne viável.» Sim, é bom citar António Arnaut, é bom citar aquele que teve a ideia valorosa de construir o Serviço Nacional de Saúde.
Continuemos, Srs. Deputados. Abramos agora os olhos. Abramo-los e vejamos o que fomos capazes de construir em conjunto.
Como se deu corpo ao sonho, construindo uma rede de centros de saúde e extensão de saúde. Como construímos hospitais que não existiam. Como os vestimos de equipamentos, os servimos de braços que se qualificaram para prestar cuidados, para
dar amor, que asseguraram saúde, proteção e bem-estar a quem mais precisava. Como fizemos chegar a saúde a todo o País e a muitas aldeias que, até então, estavam além, aldeias que
estavam para lá dos caminhos que se rasgaram, dos caminhos que se iluminaram nas noites, dos caminhos que passaram a ser percorridos por carros, mas também por bombeiros, por técnicos de emergência hospitalar e por ambulâncias de socorro.
Abramos os olhos e vejamos como fomos capazes, coletivamente, todos juntos, enquanto Estado, de construir uma rede que presta cuidados continuados na doença, cuidados paliativos no final do dia, que vai ao domicílio de quem mais precisa.
Como fomos capazes de evoluir na organização dos centros de saúde, programando consultas, construindo programas e rastreios preventivos que salvaram milhares de mulheres e milhares de homens.