7 DE MARCO DE 1996 81
da'um outro aspecto, que me causa alguma perturba¢ao:
como € que é possfvel montar um servigo, nas contingén- cias que se conhecem e na situagdo que se conhece, que nao tivesse tido em conta as experiéncias de outros, nem consultado nos paises comunitdrios quais os problemas? Pelos vistos, nem sequer deparamos com novos problemas, as fraudes e os procedimentos incorrectos foram semelhan- tes ao que outros j4 tiveram; como é que € possivel que toda a Administragao Publica nao se tenha preparado para responder, de facto, evitando esses procedimentos, uma vez
que ja havia toda uma prdatica comunitéria? Gostaria de saber se 0 seu servico foi consultado previamente na ela- boragaio do préprio projecto do DAFSE e da sua orienta-
¢ao técnico-politica.
O Sr. Dr. Nunes da Silva: — Em primeiro lugar, a Sr.* Deputada, nfo tem que agradecer o meu depoi- mento — estou aqui no exercicio das minhas fungées e estou a cumprir a minha missdo. A tinica coisa que eu desejaria era que essa misséo fosse cumprida de uma maneira satisfatéria, porque estou aqui com o mesmo ob- jectivo que tenho no meu trabalho, o de poder ser util.
Em relagao ao problema do bom-senso, de facto houve necessidade de utilizar 0 bom-senso — eu podia, talvez, utilizar uma expressdo que seja mais préxima daquilo que normalmente hoje em dia se considera, que é a razoabili- dade; até em contabilidade, h4 determinadas despesas que sAo aceites de acordo com a sua razoabilidade. De facto, tinhamos uma auséncia de objectivos de accao, nao sabia- mos —n4o foi indicado — quais eram os objectivos! Sabfamos que havia uma empresa que fazia uma forma- ¢a0 de operdrios, marmoristas, por exemplo, mas nao sa- bfamos concretamente qual era 0 objectivo, nem o que é que eles iam aprender, ou se iam melhorar neste ou na- quele aspecto. Poderia haver um conhecimento de quais eram os monitores, quais eram as matérias, quais eram as matérias-primas utilizadas. Lembro-me de que houve um caso em que ficdmos com a convicg&o de que 0 curso nao tinha existido —o que tinha existido era uma fabrica, com um determinado nimero de operdrios, produzindo deter- minados produtos de mdrmore, cuja matéria-prima passou a ser paga através do FSE e pelo sistema de seguranga social; aquilo que eles fizeram foi apenas trabalhar nas horas de servico e chamavam a isso um curso! A empre- sa, em vez de pagar os ordenados, recebia esse dinheiro, pagava e ainda tinha lucro com isso. Este foi um caso concreto. Portanto, na auséncia de regras, tinhamos de utilizar 0 bom-senso ou, se se quiser, a razoabilidade. O.que era isso? Por exemplo, ver se aquilo que um monitor recebia por hora tinha algum significado em termos nacio- nais; admito que um prémio Nobel (estou a exagerar!) se fosse chamado para dar um curso qualquer, sobre enge- nharia quimica, ou outro, pudesse ganhar 1000 contos por hora e que isso estaria muito bem pago! Nés nao detectaémos a existéncia de nenhum prémio Nobel — tam- bém nao detectamos ninguém que recebesse 1000 contos por hora—, mas talvez tenhamos detectado alguém’ que recebeu alguns milhares de contos em poucos dias! E nao nos constou que a pessoa em causa fosse um prémio. Nobel. Aqui nao ha uma ilegalidade nfo se vai contra nenhuma regra, que nao existe na altura; portanto, e foi isso 0 que considerdmos a dada altura, tinhamos de utili- zar a razoabilidade. Teria sido muito mais facil para nés se tivesse havido um diélogo com 0 DAFSE. A Sr." De- putada disse que havia relagdes conflituosas entre o DAFSE e a Inspecc4o-Geral de Finangas — creio que nao
utilizei a palavra conflituoso, porque isso néo corresponde 4 minha ideia. Se a utilizei, nao me lembro; mas nao ouve conflito, Nés nao tivemos nenhuma troca de impressdes ou de palavras duras nem, muito menos, andémos 4 esta- lada; o que havia era uma visdo totalmente diferente da parte do DAFSE e da parte da Inspec¢4o-Geral de Finan- gas — isto, muitas vezes, até é util. Alias, estou habitua- do a ter muito respeito pelas pessoas que tém ideias dife- rentes das minhas.
Tratava-se, simplesmente, de colocar o problema a quem tinha de decidir, que era o Governo: havendo dois departa- mentos do Estado que tém ideias diferentes, o que era natural e necessdrio que era isso fosse decidido —e nds colocémos o problema superiormente; 0 Governo aceitou © nosso ponto de vista, nado sé na parte do Ministério de que nés dependiamos, mas até do préprio Ministério do Trabalho, e foi assim que nds trabalhdmos. Praticamente em todos os nossos relatérios, fazemos propostas no sen- tido de haver didlogo com o DAFSE, com o Instituto do Emprego — com quem, mais tarde, cheg4mos a fazer uma acc&o de formagio, como, alids, j4 expliquei, por iniciati- va deles, e nao nossa — e com outras entidades ligadas a esta matéria. N6s temos o maior interesse em, nao s6 nos controlos comunitérios, mas em toda a acg4o que desenvolvemos, trabalhar em colaboragdo.
Devo-lhe dizer uma coisa, Sr.* Deputada: a nossa Admi- nistragéo Publica, que tem imensas qualidades, tem alguns defeitos. Talvez a culpa nao seja s6 da Administragao Pt- blica, talvez até seja um defeito. A todas as qualidades correspondem determinados defeitos. Nés, Portugueses, somos um bocado individualistas. Nés, Inspecc¢o-Geral de Finangas, encontramos, por vezes, uma grande capacidade de didlogo por parte de outras pessoas. E 0 que est4 a acontecer neste momento com a directora-geral do DAF- SE, que é uma pessoa dotada de uma qualidade extraordi- néria, e que € das que mais admiro numa pessoa, a hu- -mildade. E uma pessoa capaz de reconhecer e de ouvir o que as outras pessoas dizem. No entanto, ha outras pes- soas da Administragao Ptiblica que conhego que sao dota- das de uma capacidade tipica dos gestores, que € a sober- ba. Sdo pessoas atito-suficientes, que entendem que s6 elas € que sabem. Quando as coisas nao sao como elas dizem est4 tudo errado. Ora, na Inspecgao-Geral de Financas —como, alids, eu-j4 tinha tido ocasiao de constatar na Ins- peccao-Geral de Crédito e Seguros, onde trabalhei duran- te seis anos — temos, por vezes, dificuldade em dialogar com as pessoas. As pessoas consideram-se extraordinaria- mente importantes e nao passam cartéo a ninguém. Ora, nés nao podemos obrigar as outras pessoas a dialogar connosco. Nés, Inspecgao-Geral de Finangas, dentro da nossa cultura organizacional pretendemos fomentar a hu-
mildade. Nem. sempre 0 conseguimos, mas, pelo menos,
tentamos. Por vezes, nao somos humildes, mas tentamos.
Quando as pessoas nfo querem colaborar connosco, nao
querem dialogar connosco, nds nao as podemos obrigar. Nunca houve relagdes conflituosas com o DAFSE.
O que houve foi um desentendimento, portanto uma i
certa impossibilidade de didlogo. Todos os relatérios da Inspecgao-Geral de Finangas fa-
zem parte dos nossos processos ¢ estao & disposi¢ao desta Comissao. Posso referir, para além dos balangos da campa- nha de 1987 e 1988 que ha pouco mencionei, que, pelo menos, ha dois relatérios que julgo que tém um certo inte- resse. Sado relatérios em que nds expressamos algumas das ideias que tenho vindo aqui a defender. Uma delas diz res- peito ao relatério n.° 5 GCCC/87, que ja referi, e outro € o
n.° 12 GCCC/87.