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II SÉRIE — NÚMERO 77

de 1974 através de afastamentos compulsivos ou «selvagens», com consequências de notória injustiça e de negativa repercussão internacional para um Estado que se deseja democrático e de direito e se pretende declarar parceiro das nações livres.

2.° Estão já largamente glosadas, durante estes três anos, as actuações generalizadas na sociedade portuguesa nesta matéria e as implicações políticas, nacionais e internacionais, bem como sociais e económicas, pelo que de desprezo e violação representam para o consignado na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

3.° A Lei Constitucional n.° 3/74, promulgada em 14 de Maio pela Junta de Salvação Nacional, estabeleceu a estrutura constitucional transitória, integrando o Programa do Movimento das Forças Armadas, e definiu os Órgãos de Soberania, entre os quais o Governo Provisório.

4.° Em 15 de Maio de 1974 o Decreto-Lei n.° 203/ 74 definiu a competência e os princípios de actuação do Governo Provisório, incluindo matéria de «liberdades cívicas»:

Alínea á) do n.° 2:

Garantia e regulamentação das liberdades cívicas, nomeadamente as definidas em declarações universais de direitos do homem.

5.° Comprometeram-se, assim, as forças armadas, tanto perante o País, pela via constitucional, como perante a comunidade internacional, ao declararem a sua adesão às declarações universais de direitos do homem, a reconhecerem e a fazerem respeitar em Portugal os direitos, liberdades e garantias individuais contidos naquelas declarações, nomeadamente:

O direito ao trabalho;

O direito ao bom nome e reputação;

O direito à vida;

O direito à liberdade e à segurança pessoal; O direito à habitação;

O direito à liberdade de pensamento e expressão; O direito de ser presumido inocente até que a

culpabilidade haja sido estabelecida; O direito a um julgamento justo por um tribunal

independente e imparcial.

6.º Estes princípios foram confirmados na prática em despachos normativos das forças armadas nos casos em que foram chamadas a intervir em processos de «saneamento» nas empresas privadas e similares logo no período conturbado pós-25 de Abril de 1974. Assim, de ofícios do EMGFA, podemos destacar:

[...] nos termos do artigo 10.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem. — Toda a pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente por um tribunal independente e imparcial [...];

[...] as forças armadas são de parecer que lodos os trabalhadores, seja qual for a sua posição na empresa, só devem ser saneados após devidamente explicitadas, provadas e julgadas as acusações que lhes são feitas [...];

[...] a generalizar-se no País (o saneamento indiscriminado ou selvagem), poderá criar uma instabilidade no trabalho que afectará necessariamente o produto nacional, transformando-se assim em arma contra os próprios trabalhadores.

7.° Entretanto, os sucessivos Governos Provisórios, ao contemplarem, e só, o «saneamento» da função pública e civil (Decreto-Lei n.° 277/74, de 25 de Junho, por exemplo), não acautelaram ou não previram o «arrastamento» que veio a atingir a função privada, negando assim aos trabalhadores desta os direitos, liberdades e garantias que, em matéria de «saneamentos», regulamentou para aquela (Decretos-Leis n.os 366/74, de 19 de Agosto, 390/74, de 27 de Agosto, 123/75, de 11 de Março, 41/76, de 26 de Janeiro, e 117-A/76, de 9 de Fevereiro.

8.° Durante todo o período decorrido entre 25 de Abril de 1974 e 14 de Julho de 1975 (Decreto-Lei n.° 372-A/75), isto é, durante cerca de quinze meses, os trabalhadores das empresas privadas e similares ficaram apenas entregues a uma única lei que então imperava: «a lei da selva», da demagogia e do oportunismo fácil; curiosamente, trabalhadores da mesma empresa sofrem tratamento diferente.

Uns, saneados, outros, por mero acaso ou por quaisquer outras circuntâncias, viram postergado o seu afastamento, acabando por beneficiar do Decreto-Lei n.° 47E/76.

9.º Entretanto e muito bem, a função pública civil continuou a ser contemplada com disposições integradoras dos princípios enunciados pelas declarações universais de direitos do homem, nomeadamente através do Decreto-Lei n.° 139/76, de 19 de Fevereiro, em que aos trabalhadores, mesmo considerados demitidos de pleno direito da função pública (o equivalente a despedidos com ou sem justa causa na função privada), lhes é facultado o direito de intentarem processos de reabilitação, por se ter reconhecido terem sido criadas situações de «notória injustiça e de um alcance social negativo para o processo revolucionário em curso».

10.° Ficou assim definida a natureza injuriosa dos «saneamentos», pelo que, para se assegurarem os princípios de «bom nome e reputação» e de «direito ao trabalho», constitui condição básica, numa sociedade democrática e num Estado de direito, o acesso a üm processo de reabilitação.

11.° Por último, a função pública foi contemplada com o artigo 310.º da Constituição da República.

12." Evidente se torna, pelo atrás exposto, que as disposições que sucessivamente foram sendo promulgadas só previam e regulavam e permitiam o «saneamento» da função pública, não prevendo, nem regulando, nem prevenindo, nem, sobretudo, autorizando o «saneamento» na função privada.

Demonstra-se, portanto, que o «saneamento» na função privada, sindicatos, cooperativas, fundações e similares foi exercido prepotente e arbitrariamente, à margem da lei e contra todos os princípios enunciados e já regulamentados pelo Poder, pela justiça e pelos compromissos internacionais assumidos.

O que neste sector ocorreu foi mais uma execução de um plano geral de perseguição, utilizado abusivamente por alguns mal-intencionados contra trabalhadores portugueses, invocando dogmaticamente o «interesse do processo revolucionário em curso», e com a aprovação tácita ou consentida, quando não sugerida e garantida, das autoridades que tinham o dever e a obrigação de impedir tais desmandos.

13.° Neste contexto, milhares de trabalhadores, na sua maioria ou quase totalidade exercendo funções técnicas, de chefia ou de gestão, foram afastados dos