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II SÉRIE — NÚMERO 55

II

3 — Em intervenções políticas proferidas nesta Assembleia já precisámos e formulamos com nitidez a nossa maneira de entender a revisão constitucional e as questões que lhe estão subjacentes.

Seja — nos permitido retomar aqui alguns dos passos dessas intervenções:

4:

A revisão é jurídica e politicamente necessária. É juridicamente necessária porque a Constituição, desde logo, exige a extinção do Conselho da Revolução; exige-a, interpretada à face da plataforma de 26 de Fevereiro de 1976; exige-a, sobretudo, pela própria lógica da democracia representativa que consagra e que, só a título transitório e precário, pode compadecer-se com a existência de um órgão político não baseado no sufrágio. Mas essa extinção tem de ser acompanhada da redistribuição de algumas das competências do Conselho, indispensáveis ao funcionamento do Estado, por outro ou outros órgãos.

É politicamente necessária a revisão porque — como quer que se pense — está posto no País um problema constitucional que urge enfrentar. Problema que não vem de 1976, problema que remonta muito atrás, e que consiste essencialmente na dificuldade de institucionalização da vida pública portuguesa em liberdade, na dificuldade de desenvolvimento de instituições políticas

aceites pela generalidade dos cidadãos.

Rever, portanto, a Constituição para eliminar o limite à democracia representativa que vem a ser o Conselho da Revolução, para reforçar o consenso e a solidariedade nacionais e o Estado de direito democrático, para adequar o texto constitucional às transformações ocorridas nos quase cinco anos da sua vigência (cinco anos que têm sido de progressivo retomar de normalidade após a revolução, graças, em primeiro lugar, à própria Constituição), rever enfim, para propiciar uma resposta mais certeira de Portugal aos grandes desafios dos anos oitenta (a energia, a integração europeia, a preservação da identidade nacional, a defesa do ambiente e dos recursos naturais, o equilíbrio regional, a criação de serviços eficazes, a solidariedade para com todos os povos). Eis uma obra que temos de dirigir num sincero diálogo democrático, e não dividindo os Portugueses ao meio, pelo ódio e pelo medo.

Rever a Constituição, não como álibi ou como panaceia —pois só por si daí não resultam mais empregos e mais escolas, mais casas e mais pão —, mas como aumento da capacidade para agir no concreto e no quotidiano, como empenhamento cívico, como exame de maturidade da nossa democracia, como banco de ensaio da conjugação do realismo e da esperança ao serviço de um povo em crescimento. [Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 1.ª série, n.° 8, de 4 de Dezembro de 1980, p. 236.]

Há sectores nos quais se começa a sugerir que, por a revisão não poder ser agora a revisão desejada, é melhor que não haja revisão; nos quais se começa a sugerir que é melhor esperar por futura oportunidade — por mais cinco anos ou, quiçá, mais cedo; nos quais se começa a sugerir

que é melhor até que não se faça revisão para o sistema apodrecer e para, depois, mais facilmente se substituir esta Constituição por outra constituição. É uma opinião que vem insinuando — se e que tem de ser denunciada como correspondendo à ideia de «quanto pior, melhor» e como podendo implicar um risco para o regime constitucional democrático.

A única maneira, contudo, de prevenir ou ultrapassar este risco será fazer a revisão, fazê-la o mais cedo possível e fazê-la larga e profunda, embora com respeito pelos limites materiais da Constituição — que não são tanto os que constam de fórmula declarativa e de garantia do artigo 290.º quanto os que enformam todo o texto constitucional e corporizam a ideia de direito de 25 de Abril de 1974 e de 25 de Abril de 1975.

Porque tão errado e tão perigoso para a nossa democracia seria uma revisão golpista ou uma ruptura como uma não revisão, fosse um adiamento sine die da revisão ou uma mera revisão de fachada. E também importa dizer que se as eleições de 7 de Dezembro mostraram que o povo português continuava entranhamente fiel ao regime democrático e à Constituição, as eleições de 5 de Outubro mostraram, do mesmo passo, que querem uma revisão. Nem se configura aqui qualquer contradição: uma verdadeira e própria revisão não pode pôr em causa os princípios fundamentais, o conteúdo essencial da Constituição; mas, na observância desses princípios, bem podem encontrar-se diferenciadas concretizações, adaptações e transformações.

De resto, cabe ainda lembrar que a primeira revisão tem um regime jurídico distinto do regime das revisões subsequentes, conforme se vê dos artigos 286.° e 287.° A maioria requerida não é a mesma, a Assembleia com poderes de revisão é uma assembleia renovada e o início da II Legislatura, bem como do segundo mandato presidencial, foram dispostos de modo a dar-se uma relativa coincidência com o processo de revisão. Assim, na lógica constitucional, se a primeira revisão não pode ser mais do que uma revisão, pode, decerto, ser mais do que as revisões subsequentes: e isso não apenas por causa da extinção do Conselho da Revolução, com as suas repercussões a nível de órgãos de soberania, mas também por o primeiro período de vigência da Constituição ser pensado como um período de normalização, de experimentação e também de sedimentação.

Ora, para que se consolide e garanta a sedimentação que já se fez nestes cinco anos — particularmente quanto aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e à democracia representativa e também alguma coisa quanto aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, à subordinação do poder económico ao poder político e à descentralização— urge fazer revisão que alargue a comunicação entre a Constituição e a realidade constitucional, que é, antes de mais, a nossa cultura. Para que se avance na sedimentação de outros princípios constitucionais — como o da efectivação de direitos económicos, sociais e culturais e o da democracia participativa — urge fazer revisão que alargue a base de apoio à Constituição, e não a diminua, e que contribua