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II SÉRIE — NÚMERO 50

D — Os profissionais de saúde face ao novo regime legal

A eficácia do regime legal agora proposto depende em larga medida do empenhamento e capacidade dos profissionais de saúde. Trata-se de encarar em moldes novos situações que exigem a aplicação de conhecimentos técnicos, mas também formação humana, deontologia profissional.

Das características que se imprimiram ao processo de decisão resulta, desde logo, a atribuição ao médico de um papel fundamental na informação da mulher sobre as principais questões de que depende a escolha final. Esta não cabe ao médico, mas a isenção, rigor, objectividade e humanidade do seu comportamento revestem-se de extrema importância para a realização dos objectivos legais, na fase inicial como em todas as restantes do processo, antes, durante e depois da intervenção, se esta vier a ter lugar. E outro tanto se pode afirmar em relação aos restantes trabalhadores de saúde, todos abrangidos pelos deveres de sigilo e protecção dos direitos da mulher.

A lei, que assenta no estrito respeito pelas convicções morais, ideológicas e filosóficas de cada um, não poderia, evidentemente, deixar de salvaguardar o direito dos profissionais de saúde à objecção de consciência em relação a actuações directamente ligadas à interrupção da gravidez. Mas providencia-se para que não seja defraudado o direito da mulher a uma informação completa e objectiva, com vista a uma escolha livre, consciente e atempada. Determina-se ainda que os estabelecimentos de saúde públicos autorizados a praticar a interrupção voluntária da gravidez devem ser organizados por forma a disporem dos serviços necessários para dar resposta aos pedidos de interrupção de gravidez que venham a receber.

Não se compelindo ninguém a praticar aquilo que a sua consciência impeça, procurou-se, de igual modo, assegurar a quem também em consciência optou os cuidados de que necessite para poder ver realizada em boas condições a interrupção voluntária da gravidez.

E — A Importância fundamental áa prevenção

Um dos objectivos essenciais do novo regime legal situa-se, como já se sublinhou, no domínio preventivo. Algumas fases do processo de decisão e execução da interrupção de gravidez oferecem condições apropriadas para a informação da mulher quer sobre o controlo dos nascimentos, quer quanto às formas de prevenir malformações e doenças em futuros filhos.

Assim sucede, desde logo, na consulta inicial. Em sede regulamentar caberá explicitar e desenvolver uma gama de elementos informativos escritos a entregar à mulher, por forma a tomar mais eficaz a desejável acção de esclarecimento.

Estabeleceu-se, ainda, que, se vier a realizar a intervenção, a mulher deve ser observada, nos 7 dias posteriores, num centro de saúde, onde lhe será fornecida informação sobre planeamento familiar. Esta obrigação ser-lhe-á sempre referida na altura da intervenção. Mas é, sem dúvida, do esforço dos serviços públicos competentes, da acessibilidade do planeamento familiar (e não de sanções penais) que depende a efectiva realização deste objectivo legal. Por isso mesmo se sublinha no artilculado que cabe ao Estado

«adoptar as providências necessárias para que a interrupção voluntária da gravidez não constitua meio de controle dos nascimentos, designadamente assegurando a criação e regular funcionamento dos serviços adequados e gratuitos de planeamento familiar».

F — As disposições penais

De todo o quadro fixado decorre não só a possibilidade de recorrer à interrupção voluntária da gravidez em condições satisfatórias do ponto de vista médico e social, como a garantia de uma aplicação séria, responsável e eficaz do regime que se prevê.

Mas tem necessariamente de ser considerada a possível verificação de situações que infrinjam os limites agora traçados.

Extremamente pesadas, as penas hoje previstas decorriam de uma matriz ideológica e política do século passado, assinalada por objectivos de retaliação e repressão (e não de educação), largamente indiferente ao facto de o aborto clandestino representar em si mesmo uma grave punição da mulher.

Outra deverá ser a filosofia penal subjacente às disposições que agora importa definir. Não poderá ignorar-se o muito, o quase tudo, que está por fazer para erradicar os factores que conduzem ao aborto. Ê precisamente aí que haverá que empenhar os esforços sociais decisivos.

Não se confundiu, pois, o que deve ser garantido e prevenido através de legislação social e o que requer adequada tutela penal. Neste último campo, procedeu-se também a necessárias distinções.

Para o primeiro domínio se remeteu o tratamento da mulher que tenha consentido interromper a gravidez em condições que não acautelam a sua vida e saúde. Parece, na verdade, de afastar a possibilidade de responder a tais situações com algemas, cadeia ou multa para a mulher, por mais frontal que seja —e é— a desaprovação que a lei exprime em relação ao acto praticado. Nesses casos, o preço a pagar pela mulher (por causas que em larga medida se criaram contra a sua vontade) decorrerá dos próprios factos, não da lei penal. E todos os esforços devem concentrar-se na demonstração de que se trata de um preço demasiado elevado para que valha a pena correr o risco de ter de pagá-lo com a própria vida, quando se encontram abertos e disponíveis caminhos legais e seguros ...

De outra forma deve ser considerada a situação de quem provoca o aborto. Justifica-se aí a manutenção de sanções penais, em certos casos aos níveis actuais, noutros aliviadas, noutros, enfim, substancialmente agravadas.

Com severidade particular se encara a interrupção sem consentimento da mulher (à qual se equipara a consentida por inimputável ou obtida por fraude ou coacção e a intervenção ilegal de que resulte morte ou grave lesão da saúde física ou psíquica da mulher. Por outro lado, existindo a possibilidade legal de interrupção voluntária da gravidez, a necessidade de erradicar os factores que conduzem ao aborto clandestino justifica cabalmente o agravamento das penas para aqueles que, carecendo da qualificação exigível, o pratiquem à margem da lei, somando à ilicitude uma imperícia, ou pelo menos não qualificação, que tornam o acto ainda mais perigoso e reprovável.

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