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6 DE FEVEREIRO DE 1982

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Na verdade, o planeamento familiar está longe de cobrir as necessidades reais. É, em muitos casos, inacessível ou desconhecido, como atesta a observação comum e alguns inquéritos fidedignos.

As consequências destas situações fazem-se sentir em todo o País, continente e Regiões Autónomas, nas zonas urbanas mas igualmente nas zonas rurais—onde fazer um «desmancho» é quantas vezes a única forma conhecida e praticada de controle dos nascimentos.

É também nas zonas rurais e áreas suburbanas que o aborto clandestino no nosso país apresenta aspectos mais graves e dramáticos. O auto-aborto, o pé de salsa, a agulha de crochet, as laminárias, que levam à morte sabe-se lá de quantas mulheres ou a mutilações e doenças incuráveis, são realidades que, sete anos depois do 25 de Abril, ainda existem em Portugal. Das curiosas de vão de escada ou de mesa de cozinha, até às clínicas com anestesia geral, reabilitação e recuperação — tudo existe. Cada vez mais gente o sabe, mas continua a ser um submundo dramático e silencioso, pelo qual passam, dia a dia, com que angústias, com que dores, com que culpabilizações e medos, milhares de mulheres portuguesas que, como último recurso perante uma gravidez não desejada ou acidental, ou perante uma falha dos métodos de planeamento familiar, recorrem ao aborto.

Ê assim também que floresce um sórdido negócio, que vai desde os 2000$ até aos 30 000$, 40 000$ — altamente rendoso para quem o pratica. São conhecidas por todo o País pessoas que, fazendo da proibição legal um factor de pressão económica, ganham anualmente milhares de contos, livres de impostos.

Por outro lado, pelo facto de a lei não admitir sequer o aborto terapêutico, ainda hoje em serviços públicos de saúde se dá alta a uma mulher para fazer clandestinamente um aborto e se volta a interná-la para prosseguir o tratamento hospitalar de que carece. Foi assim também, até há pouco tempo, no Instituto Português de Oncologia, onde hoje, felizmente, já se realiza o aborto terapêutico, ao que se presume com base numa norma deontológica da Ordem dos Médicos, desprovida de cobertura legal.

Situação não menos grave decorre dos casos de gravidez resultante de crime de violação ou outros atentados contra a liberdade da mulher. Aí, o regime legal em vigor transforma o recurso ao aborto clandestino numa desumana penalização adicional de quem já foi objecto de tão execráveis crimes.

Se estes casos são por demais evidentes, outros não podem ser ignorados, pelas consequências graves que diariamente provocam. Trata-se, em particular, da situação das menores. Estando demonstrado que as menores constituem o único grupo etário no qual a natalidade está a aumentar, fácil é perceber que o mesmo se passa certamente com os abortos, para tal não podendo deixar de contribuir todas as restrições legais e práticas colocadas ao acesso dos jovens às consultas de planeamento familiar. É hoje geralmente reconhecido —e fácil é comprová-lo— que os casos mais graves de complicações pós-aborto que aparecem nos hospitais dizem respeito a adolescente. Adolescentes essas que escondem, muitas vezes, a gravidez até ao quarto, quinto mês, para irem depois —ou serem levadas— a uma «parteira» ... Infecções, septicemias, hemorragias, roturas uterinas — são algu-gumas das muitas complicações que levam à morte

ou à esterilidade e a irreparáveis sequelas psíquicas tantas jovens portuguesas.

O aborto é, pois, uma realidade que existe, apesar de vigorar uma norma legal que o proíbe. Essa proibição tem como consequência fundamental que seja praticado nas piores condições humanas, de higiene, de saúde e de segurança, constituindo um verdadeiro flagelo social a que ninguém pode ser indiferente.

A alteração da situação existente, sem dúvida, medidas preventivas nos domínios da educação sexual e contracepção. O PCP acaba de apresentar um projecto de lei de que constam os princípios e acções cuja adopção se considera urgente para garantir a curto prazo a realização efectiva do direito dos cidadãos ao planeamento familiar.

Tais medidas são, porém, inseparáveis da revogação do artigo 358.° do Código Penal e da simultânea definição de um quadro legal que, em condições bem delimitadas, não incrimine, antes permita, a interrupção voluntária da gravidez. Só assim será possível eliminar a clandestinidade, a ameaça de prisão, a chantagem económica, o medo e o sofrimento hoje impostos a milhares de portuguesas.

Mas não se esgotam aqui as razões que tornam tão necessária a nova legislação que agora se propõe.

3 —Liberdade e responsabilidade

Na verdade, o direito de decidir dar a vida e £ liberdade de escolher ter ou não uma criança, decidir o número de filhos e o momento do seu nascimento, é um direito fundamental, que a evolução da ciência e da técnica veio tornar possível.

Esta liberdade pressupõe informação e conhecimento adequados sobre a vida sexual e a contracepção. Mas não pode deixar de assegurar-se à mulher a possibilidade de, como último recurso,- interromper, em condições de segurança e humanidade adequadas, e não nas condições do aborto clandestino, uma gravidez não desejada.

A gravidez pode ser fonte de alegria ou de pânico, pode levar à extrema felicidade ou ao suicídio. Do facto de uma gravidez ser ou não desejada depende, de forma determinante, a felicidade de quem dá a vida, mas também o equilíbrio psíquico e físico e o desenvolvimento do ser que vai nascer. Só esta uberdade permite a cada um ter, educar em boas condições e fazer feliz a criança desejada.

Culpabilizar, considerar criminosa, humilhar e remeter para angustiosas e dramáticas situações uma mulher que decide interromper voluntariamente a gravidez, por razões de saúde física ou psíquica ou por carecer de condições económicas ou sociais que lhe permitam levá-la até ao fim, é uma injustiça e uma hipocrisia.

A questão não se pode colocar, pois, em termos de se ser «a favor ou contra» a interrupção voluntária da gravidez. A questão é, sim, se se defende a maternidade e a paternidade livre e consciente como um direito fundamental dos cidadãos ou, pelo contrário, se denega tal direito.

Mas se repudiamos as concepções culpabiiizadoras da mulher e dos casais que recorrem a uma interrupção da gravidez como de criminosos se tratasse, de igual modo rejeitamos as teorias daqueles que consideram a recusa da maternidade como uma forma de

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