O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

18 DE ABRIL DE 1984

2697

Por isso o fundamento actual da protecção dos animais, para além de razões antropocêntricas e egoístas, económicas, estéticas e culturais, radica sobretudo num motivo de ordem ética: o homem tem uma obrigação moral em relação aos animais.

Daqui decorre uma das recentes posições da zoofilia: os animais, em vez de serem considerados, como na concepção jurídica clássica, simples coisas, passaram a ser sujeitos de direito, designadamente de direito à protecção.

A protecção animal faz assim parte do grande princípio da protecção da vida em geral. Entre os direitos do homem e os direitos do animal não há qualquer contradição, mas sim complementaridade.

2 — Os direitos do animal foram compendiados, em 1978, na Declarações Universal dos Direitos do Animal, promulgada na UNESCO em 15 de Setembro desse ano.

Em todo o mundo civilizado e, em particular, na Europa, o movimento legislativo para a protecção dos animais tem-se acelerado e aperfeiçoado nos últimos anos, sob o impulso, sobretudo, do Conselho da Europa. Produziu, com efeito, o Conselho da Europa, no domínio da protecção aos animais, uma importante obra legislativa supranacional, traduzida em vários tratados internacionais, alguns dos quais, como a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Abate (Decreto n.ü 99/81, de 29 de Julho), a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais nos Locais de Criação (Decreto n.° 5/82, de 20 de Janeiro) e a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais em Transporte Internacional (Decreto nu 33/82, de 11 de Março), já foram ratificados por Portugal e são, portanto, lei interna portuguesa.

Acompanhando esta acção do Conselho da Europa, numerosos países europeus têm publicado leis de protecção aos animais, as mais recentes das quais são as leis sueca e alemã (1972), a norueguesa (1974), a belga (1975), a suíça (1978) e a luxemburguesa (1981).

3 — A legislação portuguesa de protecção aos animais, com excepção das três convenções internacionais atrás referidas, data da Primeira República (sobretudo os Decretos n.us 5650, de 10 de Maio de 1919, 5864, de 12 de Junho de 1919, e a Portaria n.° 2700. do Ministro do Interior, de 6 de Abril de 1921).

Para além deste imenso atraso, pode afirmar-se que a situação em Portugal tem vindo a degradar-se, e isto por várias razões: porque as multas previstas naqueles diplomas legais como sanção para os actos de crueldade para com os animais (2$ e 15$) (!) deixaram de ter qualquer valor intimidatório; porque as associações zoófilas, que, nos termos do artigo 5.° do Decreto n.° 5650, eram consideradas parte legítima nos processos por actos de crueldade em animais e, por isso, neles se podiam constituir assistentes, ficaram privadas dessa prerrogativa pelo Decreto n.° 35 007, na interpretação que lhe foi dada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e ainda porque a fiscalização pelas autoridades da escassa legislação avulsa existente deixou praticamente de ser feita, e as disposições convencionais, embora seja direito interno português, de facto não são cumpridas.

Portugal não pode continuar a permanecer «orgulhosamente só» numa Europa que considera a protecção dos animais como uma aquisição cultural irreversível.

Por isso, nas vésperas do integresso do nosso país na CEE, é imperioso que a legislação portuguesa sobre a protecção aos animais se aproxime das das suas congéneres europeias.

4 — O projecto de lei que se segue inspira-se nas mais modernas leis europeias da especialidade, que são as que atrás ficaram referidas, e ainda nas convenções internacionais de iniciativa do Conselho da Europa, em que Portugal participou e cujos preceitos foram, por isso, reproduzidos no articulado.

Ao rigor dos princípios da zoofilia abriu-se uma importante excepção, na medida em que as touradas continuarão a ser permitidas, desde que no estilo tradicional português e com exclusão rigorosa das touradas à espanhola.

Ê evidente que as touradas, qualquer que seja o seu estilo, são espectáculos cruéis, absolutamente contrários aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Animal.

A controvérsia sobre a permissão das touradas (à espanhola ou à portuguesa) já é antiga e conduziu à sua proibição absoluta durante a monarquia pelo decreto de 19 de Setembro de 1836, em virtude de, como no seu preâmbulo se lia, «serem um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas, que serve unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade».

Esse decreto viria, contudo, a ser revogado pelo Decreto de 30 de Junho de 1837, que limitou a interdição às touradas à espanhola e este regime tem perdurado até hoje.

Na elaboração do presente diploma foi considerada a possibilidade de se regressar à proibição absoluta decretada em 1836. Prevaleceu, no entanto, uma concepção mais pragmática que atendeu à força da tradição e aconselhou a manter as touradas à portuguesa.

Como afirmou recentemente o Papa João Paulo II, «ao aprender a amar e respeitar as criaturas inferiores, o homem aprenderá também a ser mais humano com os seus iguais».

Para além de representar uma tentativa de recuperação do atraso cultural português em relação à Europa neste domínio, a aprovação do presente projecto de lei terá também o objectivo humanista e pedagógico que lhe foi assinalado nestas palavras do Santo Padre. Nestes termos, os deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de lei:

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.° Objectivo

A presente lei tem por objectivo assegurar a protecção da vida e do bem-estar dos animais.

Artigo 2.° Proibição geral

1 — São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em se infringir desnecessariamente a morte, o sofrimento ou lesões a um animal.