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15 DE JUNHO DE 1984

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Decerto em reconhecimento de que assim é, a Declaração Universal dos Direitos do Homem inscreve no seu artigo 29.° o princípio de que «em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas», ao mesmo tempo que prescreve que, «no exerc jío destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática».

Ê mais explícita ainda a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ao consagrar no seu artigo 17.° que «nenhuma das disposições da presente Convenção se pode interpretar no sentido de implicar para um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de se dedicar a actividade ou praticar actos em ordem à destruição dos direitos ou liberdades reconhecidos na presente Convenção ou a maiores limitações de tais direitos e liberdades do que as previstas na Convenção».

E não se há-de esquecer que, segundo a nossa própria Constituição, não só «as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte do direito português», como «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem».

Acresce que são superiores ao próprio direito escrito — ainda que constitucional — princípios éticos civilizacionais como o de «estado de necessidade» e o de «conflito de valores», um e outro com traços deixados na nossa própria Constituição, comoé o caso do «direito de resistência» e das numerosas restrições aos direitos fundamentais, que devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». Apelo claro, como se vê, ao conflito de valores.

3 — Qualquer que seja o enquadramento teórico da questão, tem sido sob a pressão de situações de facto criadas que, um pouco por toda a parte, se tem chegado à conclusão da necessidade irrecusável de dotar o Estado de medidas de autodefesa e de detenção do processo da sua própria destruição.

Quer na Inglaterra, quer na Itália (sobretudo após o assassínio de Aldo Moro), quer na Alemanha (na sequência dos acontecimentos de Munique em 1972), quer na vizinha Espanha (onde há cerca de 5 anos o Governo submeteu às Cortes um projecto de lei de seguridad ciudadana verdadeiramente arrojado), os poderes das respectivas polícias foram espectacularmente reforçados, com recurso a medidas de excepção, que incluem, em certos termos, buscas domiciliárias e escutas telefónicas sem autorização judicial, controle excepcional de fronteiras, guarda à vista e outras actuações excepcionais a montante da acção crimina!, etc.

E logo nesses países se ergueram vozes exaltadas na defesa teórica e pura de princípios constitucionais supostamente julgados impeditivos da aprovação dessas medidas. Vozes que, em divórcio com a pressão de realidades indisfarçáveis, não impediram essa aprovação, como a não evitaram os respectivos- órgãos de fiscalização da sua constitucionalidade.

São conhecidos os seus efeitos práticos —designadamente na Itália e na Alemanha —, conseguidos sem que tenham tremido os sólidos alicerces da legalidade democrática aí vigente.

Também entre nós, à simples notícia de um primeiro anteprojecto de trabalho, que o próprio Governo desconhecia, se ergueram vozes de juristas e políticos, a denotar apreensão quanto ao respeito devido a alguns direitos fundamentais. O mesmo acontecera, de resto, a propósito da criação dos serviços de informações, em que alguns pretenderam visionar (sem obviamente terem visionado) o risco de uma nova PIDE!

Não era caso disso. Por um lado, desde a primeira hora que do que se trata é precisamente de defender o País e os cidadãos livres que somos contra os inimigos dos seus direitos fundamentais. Pelo outro, a proposta de lei que o Conselho de Ministros veio a aprovar distancia-se dos textos paralelos em vigor nas democracias ocidentais, no sentido de levar menos longe as consequências do estado de necessidade das medidas preconizadas e dos conflitos de valores ínsitos na justificação dessas medidas. Por último, sempre seria certo que de uma proposta de lei se trata, como tal sujeita ao crivo crítico da Assembleia da República.

A esta compete, e depois desta ao Tribunal Constitucional, se for caso disso, decidir se o Governo doseou bem ou mal as restrições a direitos fundamentais estritamente necessárias à salvaguarda do exercício desses direitos.

Nestes termos e nos da alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição, p Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.° (Definição de segurança interna]

A segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Estado com os seguintes objectivos:

a) Garantir o normal funcionamento das insti-

tuições democráticas;

b) Garantir o exercício dos direitos e liberdades

fundamentais dos cidadãos;

c) Assegurar o respeito pela legalidade, garan-

tindo a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas;

d) Prevenir a criminalidade, em particular a cri-

minalidade organizada e o terrorismo, e atenuar os seus efeitos;

e) Garantir a segurança das pessoas e dos seus

bens;

f) Prevenir catástrofes, calamidades e desastres,

atenuar os seus efeitos e proceder à recuperação de equipamentos;

g) Prevenir a infiltração e desencadear a expulsão

do território nacional de estrangeiros que se proponham a comissão de actos contra a segurança interna do Estado, designadamente a prática de actos de espionagem, sabotagem e terrorismo.