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23 DE MARÇO DE 1985

2459

Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parecer

1 — O MDP/CDE requereu ao Presidente da As-sembleia da República o esclarecimento da situação parlamentar da ASDI e da UEDS, uma vez que estes partidos não concorreram, isolados ou em coligação, às últimas eleições legislativas, muito embora militantes seus tivessem integrado, como é sabido, as listas de candidatura apresentadas a sufrágio pelo Partido Socialista.

2 — O Presidente da Assembleia solicitou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a emissão de um parecer. A Comissão considera-se competente em razão da matéria.

3 — O MDP/CDE considera no seu requerimento que a UEDS e a ASDI «não podem ter qualquer representação no âmbito da Assembleia da República», invocando em favor da sua tese o disposto nos artigos 10.°, n.° 1, 117.°, n.° 1, 154.°, n.° 1 e 163.°, n.° 1, alínea c), da Constituição.

4 — É certo que os partidos políticos têm na Constituição uma relevância muito superior à que comummente lhes é conferida pela generalidade das constituições estrangeiras, o que é salientado pela generalidade da doutrina (veja Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, nota vn, no artigo 3.°, p. 37, e Marcelo Rebelo de Sousa, «Os partidos políticos na Constituição» in Estudos sobre a Constituição, volume 2.°, p. 61 e segs.). Tal relevância deve-se, por um lado, a uma preocupação de equilíbrio entre uma concepção clássica ou liberal do regime parlamentar que naturalmente privilegia o papel dos deputados enquanto sujeitos parlamentares e uma concepção mais moderna que reconhece a função mediadora dos partidos políticos, considerando que o parlamento é essencialmente um conjunto de grupos parlamentares que, através da disciplina de voto, contribuem decisivamente para a formação de maiorias estruturadas. E, por outro lado, como sustenta Rebelo de Sousa, no estudo citado, por duas ordens de razões:

A preocupação de afirmar o papel dos partidos políticos num regime democrático, em contraponto à experiência constitucional subsequente a 1933;

O temor de o processo político contemporâneo dos trabalhos da Assembleia Constituinte tender a subalternizar o papel dos partidos políticos [ob. cit., pp. 61 e 62].

5 — Da tensão entre as duas concepções referidas, bem como das vicissitudes políticas que acompanharam os trabalhos da Constituição, veio a resultar:

Atribuição aos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, do exclusivo da iniciativa da apresentação de candidaturas (n.° 1, do artigo 154.°);

Perda do mandato do deputado que se inscreve em partido diverso daquele por que se apresentou a sufrágio [alínea c) do n.° 1 do artigo 163.°].

A última disposição constitucional citada é aliás a que de forma exemplar revela a existência da tensão entré as duas concepções, já que os deputados que saiam do partido pelo qual foram eleitos, por acto voluntário ou em resultado de sanção disciplinar, só perdem o mandato se aderirem a outro partido, podendo, pois, permanecer na Assembleia como deputados independentes. Por outro lado, o já citado n.° 1 do artigo 154.° permite expressamente que as listas de candidatura possam integrar cidadãos não inscritos no partido ou partidos que as propõem. Resulta assim claro, como salienta Rebelo de Sousa, que «é assim possível que sejam titulares de um órgão do poder político soberano cidadãos não vinculados a partidos políticos, apesar de a Constituição consagrar o exclusivo partidário na base da designação dos titulares daqueles órgãos» (ob. cit., p. 66).

6 — Finalmente, importa considerar o n.° 1 do artigo 183.°, que dispõe que «os deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos podem constituir-se em grupo parlamentar». Desta disposição, que não é invocada pelo partido requerente, poder-se-ia concluir apressadamente que os deputados independentes deveriam obrigatoriamente integrar os grupos parlamentares dos partidos que os apresentaram a sufrágio. Só que, como sustenta Rebelo de Sousa, «nenhuma disposição constitucional (nem legislativa ordinária) estabelece deveres dos deputados correlativos à sua pertença a determinado grupo parlamentar, pelo que esses deveres serão apenas os constantes dos estatutos partidários ou de acordos concertados entre os candidatos independentes e os partidos patrocinadores das candidaturas» {ob cit., p. 65). Parece, em resumo, poder concluir-se que os deputados independentes não são obrigados a integrar o grupo parlamentar do partido cujas listas integraram, embora fiquem impedidos de aderir a outro grupo parlamentar ou de constituir um grupo autónomo. (No mesmo sentido, veja Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., nota in ao artigo 183.°, p. 362.)

7 — O funcionamento interno da Assembleia é regulado pelo seu regimento, nos termos da alínea a) do artigo 178.° da Constituição. A Assembleia goza assim de plena autonomia quanto à sua organização e modo de funcionamento, com os limites que naturalmente resultam da subordinação do regimento à Constituição. Manifestação dessa faculdade de auto--organização é o n.° 2 do artigo 18.° do regimento, que permite que os deputados eleitos como independentes nas lutas de determinado partido ou coligação se possam constituir em agrupamento parlamentar. Nunca se discutiu a constitucionalidade desta norma, uma vez que a Constituição não impede outras formas de organização dos deputados, além dos grupos parlamentares. A constituição limita-se a estabelecer as condições de constituição dos grupos parlamentares, o que se compreende se tivermos em vista o elenco de direitos que lhes são conferidos pelo n.° 2 do já citado artigo 183.° pelo que, e salvo melhor opinião, a questão está em saber, por um lado, se os deputados que foram eleitos como independentes podem constituir o agrupamento parlamentar do partido de que são militantes e, por outro, se aos agrupamentos parlamentares podem ser, por via regimental ou legal, conferidos os mesmos direitos que a Constituição garante aos grupos parlamentares.