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II SÉRIE — NÚMERO 49

PROJECTO DE LEI N.° 377/IV

REGE 05 CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS

1. Vão decorridos quase onze anos sobre a entrada em vigor da Constituição da República e, portanto, do seu artigo 120.°, que sujeita os titulares de cargos políticos a responsabilidade política, civil e criminal pelos actos e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.

Igual período, por conseguinte, decorreu desde que o seu n.° 3 comete à lei —ou seja, exclusivamente à Assembleia da República, por força do disposto na alínea g) do artigo 167.° — a determinação dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como a"s sanções aplicáveis e os respectivos efeitos.

Desconte-se o tempo que razoavelmente exigiria sempre a elaboração e aprovação do correspondente projecto e aí temos uma década segura de omissão inconstitucional do cumprimento desse fundamental dever.

Mais do que de incumprimento grave de um dever, trata-se, no caso, de descuido de uma essencial exigência própria.

Sirva-nos de consolo o que acontece na generalidade das democracias. Também aí essa definição inexiste ou, quando existe, não raro permanece no limbo abstracto de uma que outra disposição constitucional, com alguma doutrina à volta, mas em regra sem a eficácia prática que só pode ser-lhe conferida por adequada legislação ordinária.

Não obstante, o nosso legislador constituinte não deu, nesta matéria, sinais de particular complacência.

Para começar, equiparou —praticamente sem os distinguir— todos os titulares de cargos políticos.

Depois, sujeitou-os àquelas responsabilidades relativamente a todos os actos ou omissões que ilicitamente pratiquem no exercício das suas funções. Daí o advérbio pelos actos e omissões, em vez de por actos e omissões.

E, como que a fornecer-nos um sinal de que não aceita nenhuma espécie de «garantia administrativa» ou de contemporização com a importância do cargo, eis que, relativamente ao mais importante de todos, o de Presidente da República, após ter fixado uma regra especial quanto à iniciativa do processo —que fez depender de proposta da Assembleia da República — e quanto ao foro competente —que entendeu dever ser o Supremo Tribunal de Justiça—, não aceitou restringir a responsabilidade criminal do Presidente da República aos crimes mais graves, e todos eles sujeitou, desde que cometidos no exercício de funções, ao efeito devastador da destruição do cargo e da impossibilidade de reeleição, que faz decorrer implicitamente da condenação (n.° 3 do artigo 133.° da Constituição).

Lá fora, a regra é a restrição. Total nas monarquias — o rei, por definição, não erra—, em todo o caso forte na generalidade das Repúblicas: o Presidente, em regra, só responde por crimes tão graves como o de traição à pátria ou de alentado contra a Constituição.

Curiosamente, a nossa Constituição é mais complacente relativamente aos crimes estranhos ao exercício

de funções. Quanto a esses, e qua/queT que seja a SU8 gravidade, o Presidente da República responde depois de findo o mandato e perante os tribunais comuns.

O receio abstracto de que, assim, um crime sem gravidade cometido no exercício de funções possa conduzir à destituição do Presidente não é receável em concreto. Funcionará aqui a garantia da exigência da iniciativa processual da Assembleia.

O que não está acautelado —senão pela garantia implícita no processo de escolha do Presidente, em princípio conducente à investidura no cargo de um cidadão exemplar— é o risco teórico da comissão de um crime grave fora do exercício do cargo. Digamos que, nesse caso, a realidade se encarrega sempre de encontrar a solução.

2. Mas, se assim é quanto ao mais alto magistrado, esta deve ser a estrela polar de quem procura orientação nestes domínios quanto aos restantes titulares de cargos políticos.

Nomeadamente quanto aos deputados à Assembleia da República, a Constituição, depois de os imunizar contra a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar pelos votos e opiniões — e só por esses — que emitirem no exercício das suas funções e de condicionar a sua detenção ou prisão, bem como o seguimento de processo crime contra um deles movido, entrega-os à inclemência da regra geral do artigo 120.": a lei que defina os crimes susceptíveis de serem por eles cometidos no exercício das suas funções, respectivas penas e efeitos.

Entre estes efeitos admite-se neste projecto que deva estar a perda do mandato. Deve estar porque se compreenderia mal que beneficiassem de tratamento mais benévolo do que o constitucionalmente dispensado ao próprio Presidente da República, além do mais igualmente designado por eleição directa e universal. E pode estar ainda porque na alínea a) do n.° 1 do artigo 163.° a Constituição comete também à lei a previsão das incapacidades dos deputados conducentes à perda do mandato.

Não podia ser de outro modo, nem isso seria digno de um órgão que a esse respeito delibera sobre os seus próprios membros.

O que se diz dos deputados à Assembleia da República aplica-se mutatis mutandis aos deputados ao Parlamento Europeu, aos deputados às assembleias regionais, aos deputados à Assembleia Legislativa de Macau e aos membros de assembleia deliberativa de autarquia local.

3. Menos linear é a solução para os crimes de responsabilidade cometidos no exercício das suas funções pelo Primeiro-Ministro ou por qualquer outro membro do Governo.

Isto porque, nos termos constitucionais, a demissão do Primeiro-Ministro acarreta a do Governo, e o Presidente da República só pode demitir o Governo quanto tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado (n.° 2 do artigo 198.°).

Ainda assim, optou-se por sujeitar o Primeiro-Ministro, e por maioria de razão os restantes titulares de cargos políticos de natureza não electiva, ao efeito da demissão ex lege. Uma coisa são as limitações constitucionais à demissão do Governo pelo Presidente

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