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28 DE FEVEREIRO DE 1987

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da República, outra a impossibilidade constitucional

— que se não vislumbra — de a lei extrair da condenação do Primeiro-Ministro por crime cometido no exercício das suas funções o efeito da sua demissão, com as consequências que este facto nos demais casos constitucionalmente acarreta.

O artigo 120.° da Constituição autoriza a lei, sem qualquer restrição, a determinar os efeitos das penas aplicáveis a crimes de responsabilidade cometidos por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções. Trata-se de sanções políticas, e não de sanções penais stricto sensu. E não fazia sentido

— nem ético nem jurídico-político— que, acarretando a condenação do Presidente da República por um desses crimes a sua destituição, não fosse equivalente o efeito da condenação do Primeiro-Ministro ou de qualquer outro titular de cargo político de natureza não electiva.

Outra solução seria equívoca e não contribuiria, como se pretende, para a dignificação do exercício de funções políticas.

4. Quanto às penas principais propostas, dois apontamentos: penas agravadas caso a caso para os crimes especialmente previstos no projecto; regra comum de agravamento entre um mínimo e um máximo para os crimes previstos na lei penal geral susceptíveis de serem cometidos por titular de cargo político no exercício das suas funções.

Crê-se ser esta uma orientação justificada pelo facto de, neste ripo de crimes, o agente ter o especial dever de os não cometer, pelo facto de estar em causa a violação de valores particularmente relevantes e ainda por ser violada a especial relação da confiança subjacente à designação do agente.

5. Relativamente à definição dos crimes de titulares de órgãos políticos cometidos no exercício das suas funções, a Constituição deixou-nos sem bússola.

Começou por não definir sequer o que sejam ou quais sejam esses titulares.

Do elenco proposto desaparecem os juízes do Tribunal Constitucional, os membros do Conselho de Estado e o Provedor de Justiça, que com essa qualificação figuram no artigo 4.° da Lei n.° 4/83, de 2 de Abril, relativa ao controle público da riqueza dos titulares de cargos políticos.

Quis parecer aos subscritores deste projecto que os juízes do Tribunal Constitucional devem, a este respeito, ter o tratamento dos demais juízes, que os membros do Conselho de Estado não têm competência deliberativa, sendo, por isso, dificilmente configurável a perpetração de crimes de responsabilidade, e que algo de semelhante acontecerá relativamente ao Provedor de Justiça.

É uma opção fácil de corrigir se se entender ser esse o caso.

Quanto à definição dos crimes cometidos no exercício das suas funções, entendeu-se que seria de menos uma simples exigência de contemporaneidade (durante o exercício) de mais uma exigência de causalidade funcional (por causa do exercício). Esta relação de causalidade aparece, por contraposição, no artigo 22.° da Constituição, ou seja, na definição da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas («acções ou omissões praticadas no exercício das suas

funções e por causa desse exercício»), o que reforça o significado da sua ausência na delimitação da responsabilidade criminal.

Optou-se, assim, neste projecto, por uma linha intermédia, que poderá sintetizar-se assim: são crimes de responsabilidade cometidos por titular de cargo político no exercício das suas funções, antes de mais, os como tais previstos no presente projecto; e, para além desses, os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou que mostrem ter com ele uma significativa relação de instrumentalidade ou de conexão.

Considera-se depois que essa relação existe quando o crime tiver sido praticado com flagrante desvio ou abuso da função ou com manifesta e grave violação dos inerentes deveres.

Em concreto, deixaram-se sem referência expressa no projecto, com pena genericamente agravada, os crimes susceptíveis de serem cometidos em conexão cem a função, que na lei penal começam por «aquele que» ou «todo aquele que», e confirmaram-se ex professo como crimes enquadrados naquela definição os atribuídos a «funcionários» e que, pela sua natureza, são susceptíveis de serem cometidos em conexão com a função por titular de cargo político.

É uma opção que se tem por boa. Mas, como sempre, só até ser encontrada outra melhor!

O próprio Código Penal, no seu artigo 437.° —por sinal o último! —, comete à lei especial «a equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenhe funções políticas, governativas ou legislativas».

Só que também esta lei especial caiu no olvido. E sem ela muitos crimes imputáveis a funcionários são hoje insancionáveis quando cometidos por titular de cargo político.

6. Umas tantas regras sobre processo civil — onde se não quis ir além do principal— e a definição de meia dúzia de princípios básicos sobre a responsabilidade civil conexa com a criminal, especialmente tratada no projecto, bem como sobre a forma da sua concretização, completam o presente projecto. Infelizmente sem o perfeccionar.

A sua simples leitura convence dos melindres e dificuldades da matéria. Mas a família política portuguesa prestigia-se auto-sujeitando-se a claras regras de responsabilidade criminal e civil conexa. Com esta lei coloca-se porventura na vanguarda da fiscalização judicial dos seus próprios actos.

Ê hoje duvidoso se, ao menos em parte, vigora ou não ainda a velha lei dos crimes de responsabilidade de 27 de Julho de 1914. Lei essa então também revolucionária e o mais possível prestigiante do governo republicano que a aprovou. Mas de antemão destinada à ineficácia porque enuncia crimes que não tipifica e pune a mera culpa e até o erro, para não referir senão os reparos principais.

Neste domínio há que garantir a eficácia possível — preventiva e repressiva— da incriminação e das penas. Mas também que não perder de vista a eficácia dos próprios centros de decisão. Uma lei excessivamente espartilhante poderia degenerar em cautelas por seu turno geradoras de mais burocracia e mais lentidão.

Defeitos esses já temos de sobra.