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14 DE ABRIL DE 1988

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4 — Nos termos do artigo 23.° da Lei Orgânica do Governo — Decreto-Lei n.° 329/87, de 23 de Setembro —, os secretarios de Estado não dispõem de competência própria, mas apenas da que lhes for delegada, em cada caso, pelo respectivo Ministro. Como o próprio Ministro reconhece, o Secretario de Estado do Tesouro estava presente em nome e em representação sua. Mais, o Secretário de Estado relatou ao Ministro essa reunião, em função da qual foi dada luz verde às OPV. Assim, o Ministro não pode invocar desconhecimento ou ilibar de outro modo a sua própria responsabilidade, pelo que a autorização dada à efectivação das OPV tem necessariamente de ser imputável ao próprio Ministro.

5 — Por outro lado, a carta do Secretário de Estado do Tesouro de 2 de Fevereiro de 1988, transcrita no Diário da Assembleia da República, na qual comunicou ao Ministro das Finanças que, em virtude da sua participação na reunião atrás referida, se considerava impedido de realizar o relatório síntese, demonstra claramente que foi dada luz verde ao mais alto nível para realização das operações em causa. Assim, as irregularidades de que as mesmas enfermam não podiam deixar de ser antecipadamente conhecidas por quem podia e devia ter sustido a realização das operações. Não o tendo feito, é óbvio que se tornou também responsável pelas mesmas.

6 — É evidente que de nada poderá valer ao Ministro a tentativa de esconder a sua responsabilidade determinando inquéritos e arvorando-se em juiz de uma causa em que afinal é o próprio Ministro que está indiciado como primeiro responsável pelas irregularidades. Na realidade, o Ministro não é juiz, não é apreciador de inquéritos, é um membro do Governo que tão--somente procura fugir às suas responsabilidades, endossando-as a outros.

7 — O auditor-geral do Mercado de Títulos encontra--se também numa situação em que não pode ser inquiridor, antes terá de ser inquirido. Resultando dos factos apurados oficialmente que as OPV do grupo SONAE não se encontravam em condições que permitissem a sua autorização; está em causa o modo como foram exercidas pelo auditor-geral do Mercado de Títulos as competências previstas na alínea c) do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 23/87, de 13 de Janeiro, para autorizar as ofertas públicas de transacção de valores mobiliários; sendo aquela uma competência fundamental do auditor-geral, nos termos da alínea g) do n.° 5 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 335/87, de 15 de Outubro, este seria conivente com a situação irregular apontada anteriormente, pelo que também não lhe pode ser reconhecida a qualidade de inquiridor neste processo, mas sim a de um dos inquiridos.

8 — As referidas irregularidades, a existirem, seriam impeditivas da aceitação do pedido de concessão do benefício fiscal previsto pelo Decreto-Lei n.° 130/87, de 17 de Março, dado que a alínea á) do artigo 1.° daquele diploma faz depender a concessão do referido beneficio do reconhecimento de que a emissão pública é requisito de que carece o requerente para reunir todas as condições de admissão à cotação nas bolsas de valores. Desta forma, a comissão directiva da Bolsa de Valores do Porto, ao não levar em conta aquelas irregularidades, ter-se-á colocado igualmente numa posição violadora das supracitadas normas legais.

9 — Acresce que a comissão directiva da Bolsa de Valores do Porto, ao não aprovar a admissão à cotação de três das empresas em causa, ou incorreu em juízo fundamentadamente contraditório daquele que foi utilizado pelo auditor-geral ou praticou qualquer outra arbitrariedade, se se quiser ter por bom o entendimento do auditor-geral. Estas duas entidades estão uma contra a outra, acusando-se mutuamente em público de incompetência no exercício dos seus mandatos.

10 — O comportamento da banca, designadamente do BPA, foi também julgado digno de nota. O próprio Ministro reconheceu que não foram utilizados critérios de boa gestão. Não haverá consequências? Não haverá causas? Será verdade que as OPV foram tomadas firme pelo BPA em condições insólitas contra o parecer de técnicos competentes, de tal modo que só poderia ter-se verificado o desastre que provadamente se verificou? Não haverá responsabilidades a apurar?

11 — Também a Assembleia da República terá de inquirir em que condições foram veiculadas para a opinião pública falsas informações sobre a subscrição das OPV por parte do público. Ficou provado que os bancos ficaram com a maior parte do papel, quando, sem desmentido, se veiculou para a comunicação social situação diametralmente oposta. Poder-se-á tolerar tão grosseira manipulação da informação e da confiança em que se fundamenta a solidez do mercado de capitais? Poderão os responsáveis ficar incógnitos e impunes? Que interesses os movem? Por que razão o Governo se demite por completo das suas responsabilidades perante a mais elementar regra de moralização do mercado de capitais? Poderá mesmo haver mercado de capitais com uma manipulação de tal ordem?

12 — Do exposto resulta claro que o Ministro das Finanças não exerceu competências políticas e administrativas que lhe cabem, designadamente relativamente ao auditor-geral do Mercado de Títulos, à Bolsa de Valores do Porto e à banca pública, nomeadamente em relação ao BPA, que tomou firme as emissões em condições tão extraordinárias. Optou o Ministro por remeter o processo ao Ministério Público, não especificando sequer minimamente de qual de entre as competências do Ministério Público se pretende obter exercício. É estranho este comportamento do Ministro, revelando a sua total falta de critério e a incapacidade de fazer seja o que for no âmbito das funções que lhe foram cometidas quanto à tutela da boa gestão pública do mercado de capitais.

13 — Por todas as razões citadas, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe a realização de um inquérito aos actos do Governo e da Administração, inquérito este que se tornou absolutamente indispensável para repor a legalidade e moralizar a intervenção pública na boa gestão e funcionamento do mercado de capitais. A tentativa do Governo de se esconder atrás de bodes expiatórios e de induzir a opinião público em erro mediante inquéritos viciados na forma e no fundo não pode passar sem inquirição nos termos da Constituição.

14 — A situação configurada não é a do caso SONAE, mas sim a do caso Ministro das Finan-ças/BPA. Compete à Assembleia da República assumir as suas responsabilidades na apreciação deste caso.

Assembleia da República, 8 de Abril de 1988. — Pelo Grupo Parlamentar Socialista: Jorge Sampaio — Lopes Cardoso — João Cravinho.