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II SÉRIE - NÚMERO 64
forma desastrosa, com a aprovação da Lei n.° 142/85, uma verdadeira aberração e monstruosidade que deslustra a ordem jurídica portuguesa.
Congeminada não para regulamentar de forma geral e abstracta uma certa actividade, mas para intervir numa situação concreta com formulações feitas à medida da resposta que, por motivos estritamente partidários, os seus autores pretendiam; modulada em tais termos que impedia na prática a actividade que dizia querer regulamentar, a Lei n.° 142/85, é um exemplo do que Gomes Canotilho, num dos seus trabalhos, chamava de «excesso ou desvio do poder legislativo», designadamente por «contraditoriedade, irrazoabilidade e incongruência da lei», configurando uma situação onde é fácil demonstrar a «inexistência da circunstância de interese público a que a lei se referia na motivação do exercício da função legislativa».
2 — A Lei n.° 142/85 era, efectivamente, desnecessária para a função que, pretensamente, lhe era destinada pelos seus proponentes. Basta verificar, aliás, que a Assembleia da República já aprovou a criação de um município (o da Amadora) sem que existisse qualquer lei desse tipo e que se tratasse tão-somente de definir regras básicas de processo — então a Lei n.° 11/82, aplicável com as devidas adaptações, continha os dispositivos necessários à solução de eventuais questões.
Como já foi referido, foi a instrução de evitar uma votação sobre Vizela (votação que dividiria os partidos coligados) que levou à aprovação da Lei n.° 142/85. Desaparecidos os tortuosos «motivos» que conduziram ao desvio do poder legislativo e demonstrado, como o foi na última legislatura, que o facto de a lei quadro estar em vigor não impede e não pode impedir a sujeição a votação de qualquer projecto de lei de criação de qualquer município, incluindo o de Vizela (basta que, para o efeito, qualquer partido use o direito regimental de fixação de ordens do dia, como sucedeu com os projectos de Vizela, na legislatura passada), tudo parecia apontar para que a solução, a óbvia solução, seria a pura e simples revogação da Lei n.° 142/85.
Sucede, no entanto, ser característico que os pais de • um qualquer «monstro» lhe consigam encontrar sempre alguma beleza ... O facto é que, proposta pelo PCP na última legislatura a revogação da Lei n.° 142/85, a solução foi considerada excessiva.
Da nossa parte, continuamos a considerá-la justa e necessária. Mas também reconhecemos que o carácter «monstruoso» da lei resulta fundamentalmente de dois ou três dos seus dispositivos. Tendo o Partido Socialista manifestado já posição favorável à eliminação desses dispositivos (ou pelo menos de alguns deles), entende o PCP apresentar um projecto de lei de alterações à Lei n.° 142/85 que remova os obstáculos à criação dos municípios e certas outras disposições incongruentes do diploma, já que, depurada dessa forma, o que resta da Lei n.° 142/85, se não adianta nada que não pudesse ou não tenha de ser resolvido em cada lei de criação dos municípios, também é facto que não faz mal nenhum e não prejudica ninguém ...
3 — Quais são os pontos centrais a alterar? São quatro.
Desde logo, impõe-se revogar os n.09 3 e 4 do artigo 14.°, que faziam depender a criação de novos municípios da criação de regiões administrativas e da delimitação das áreas metropolitanas. Foi uma disposição apreciada já no final do processo legislativo, para, na emergência da aprovação da lei (já não restava, na
altura mais nenhum álibi para atrasar a sua aprovação), haver lei ... sem poder haver novos municípios, especialmente poder haver a votação sobre Vizela. Foi especialmente esse dispositivo que tornou a lei de criação na lei da anticriação ou, de forma mais significativa, tornou a lei numa antilei.
Em segundo lugar, impõe-se introduzir um artigo que, à semelhança do que dispõe a lei n.° 11/82 no que respeita a criação de freguesias e à elevação de povoações às categorias de vila e cidade, permita que a verificação de especiais circunstâncias de natureza histórica, social, económica, geográfica, demográfica, administrativa ou cultural possa levar a Assembleia da República a dispensar os requisitos no artigo 4.° É um princípio mais que necessário de flexibilização do processo, particularmente perante um enunciado de requisitos que, se aplicado aos municípios existentes, levaria à inviabilização de dezenas delas! Aliás, no fundo os requisitos enunciados em atenção às diversidades regionais (designadamente do ponto de vista demográfico), a sua aplicação indiscriminada (sem a norma de flexibilização) conduziria às maiores injustiças.
A terceira alteração a fazer é a eliminação, no processo de apreciação, dos traços governamentalizadores, que colocam, de forma institucional e constitucionalmente inadmissível, a Assembleia da República a ser dirigida pelo Governo. É importante recordar que o sistema de controle governamental da Assembleia da República previsto na lei (que prevê ser o Governo a realizar o relatório e parecer que, por força do Regimento da Assembleia, compete às comissões parlamentares em todos os processos legislativos) tem a sua raiz na desconfiança que os estados-maiores dos dois partidos (PS e PSD) tinham face à actuação que os deputados desses partidos teriam em relação a propostas concretas de criação de municípios, desconfiança que levou a entregar o processo ao Governo, onde reinava mais fidelidade à coligação ... A norma foi, aliás, inventada antes da descoberta da verdadeira bomba atómica constituída pelos n.os 3 e 4 do artigo 14.°, mas acabou por ficar porque já estava aprovada.
A quarta alteração, de valor menor, refere-se à comissão instaladora, flexiblizando-se, também, aqui, o processo de fixar a sua composição.
Com a aprovação das alterações descritas, a Lei n.° 142/85 continua a ser uma lei desnecessária e permanece uma lei com soluções ainda inconvenientes. Mas passará, finalmente, a ser uma lei propriamente dita (e não uma aberração) e, ainda por cima, uma lei da qual não vem mal ao mundo.
No essencial, passa a ser uma lei que não inviabiliza e não pode servir de pretexto para inviabilizar a criação de novos municípios, criação que é desejo de algumas populações do País, criação que é necessária para aprofundamento da estrutura democrática do Estado, reconhecendo a autonomia municipal lá, onde ela se impõe, para responder às necessidades das populações.
Nestes termos, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.°
Viabilização imediata da criação de novos municípios
São revogados os n.os 3 e 4 do artigo 14.° a Lei n.° 142/85, de 18 de Novembro, que visavam impedir a criação de novos municípios no continente enquanto não fossem criadas as regiões administrativas e nos dís-