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16 DE DEZEMBRO DE 1988

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comunitárias que regulamentam o programa geral para a suspensão das restrições à liberdade de estabelecimento e as disposições legais em vigor em matéria de investimento estrangeiro em Portugal.

II — Cumpre, pois, emitir parecer sobre o projecto de lei em apreciação, havendo por indispensável enunciar e conceptualizar as principais características essenciais do direito comunitário, que, sendo um direito novo e regido por princípios próprios, poderá suscitar dificuldades de interpretação e aplicação.

Relevam neste âmbito os princípios da aplicabilidade directa e do efeito directo e o princípio do primado do direito comunitário.

A aplicabilidade directa prende-se com a integração do direito comunitário nas ordens juídicas de cada Estado membro sem necessidade da prática por parte deste de qualquer acto jurídico complementar — sistema monista versus sistema dualista.

Com a ratificação dos Tratados e Actos de Adesão, os Estados membros aceitaram a aplicabilidade directa do direito comunitário. É exemplo bem impressivo deste princípio o facto de não se poder transformar os regulamentos comunitários em direito interno face ao disposto no artigo 189.° do Tratado de Roma/CEE, que estabelece que o regulamento tem carácter geral e é directamente aplicável em todos os Estados membros.

Daqui resulta que, publicado no Jornal Oficial das Comunidades e decorrido o prazo da sua entrada em vigor, o regulamento vigora simultaneamente em todos os Estados membros (cf. Acórdãos de 7 de Fevereiro de 1973, Comissão contra Itália, de 10 de Outubro de 1973, caso Varíola, de 2 de Fevereiro de 1977, caso Amsterdam Bulb, de 30 de Novembro de 1978, caso Bussone, in CJTJCE, 1973, pp. 101 e segs., considerandos 16 e 17, e pp. 981 e segs., considerandos 9 a 11, 1911, pp. 137 e segs., considerandos 4 e 5, e 1978, pp. 2429 e segs., considerando 30).

Da aplicabilidade directa distingue-se o efeito directo. Este princípio abre a possibilidade aos particulares de invocarem o direito comunitário perante as autoridades públicas — efeito directo vertical — ou relativamente a outros particulares — efeito directo horizontal — como fonte de direitos e obrigações que as jurisdições nacionais devem reconhecer (cf. Acórdão Van Gend an Loos, de 5 de Fevereiro de 1963, CJTJCE, 1963, pp. 1 e segs.).

Mas pouco alcance teriam os princípios já mencionados se os Estados membros pudessem, mediante normas anteriores ou posteriores, opor-se ao direito comunitário.

Assim, o princípio do primado no direito comunitário sobre os direitos nacionais é princípio essencial desta nova ordem jurídica, «em cujo proveito os Estados membros limitaram, ainda que em domínios restritos, os seus direitos soberanos e cujos sujeitos são não apenas os Estados membros, mas também os seus nacionais» (cf. caso Van Gend an Loos).

É bem elucidativa deste princípio a alusão de Pierre Pescatore in Aspects judiciaires de l'acquis communautaire, que nos diz primar o direito comunitário sobre o direito interno dos Estados membros e que esse primado resulta dos Tratados. O seu conteúdo não é, em consequência, susceptível de variar de Estado para Estado, mas deduz-se, com uniformidade, dos textos ori-

ginários. Trata-se de um requisito existencial, que veio a ser precisado no acórdão proferido no caso Simmen-thal.

Assim sendo, não podem restar dúvidas de que, em caso de incompatibilidade entre o direito interno e o direito comunitário, este último prevalece sempre sobre aquele (apenas se suscitando dúvidas no que respeita aos normativos constitucionais em que existem posições divergentes na doutrina).

No domínio da plena aplicação do direito comunitário, a iniciativa vertida no projecto de lei n.° 35/V seria contrária ao referido direito, porquanto estabeleceria, se convertido em lei, condições discriminatórias entre cidadãos portugueses e nacionais de Estados membros e violaria o disposto nos artigos 48.°, n.° 2, e 52.° do Tratado de Roma/CEE.

Em abono da opinião supra-referida podemos citar o caso Von Kempis/Epoux Goldof. O que estava em causa era um agricultor alemão que pretendia, ao abrigo das disposições do direito comunitário sobre liberdade de estabelecimento, comprar uma propriedade rústica em França para aí se estabelecer como empresário agrícola.

O tribunal veio dizer que «o artigo 52.° do Tratado de 25 de Março de 1957, que é directamente aplicável aos nacionais dos Estados membros da CEE e que se impõe às respectivas jurisdições, proíbe qualquer restrição à liberdade de estabelecimento em França; por consequência, as disposições do direito interno francês que impõem uma autorização administrativa àqueles que pretendem explorar uma empresa agrícola em França deixaram de lhes ser aplicáveis».

Ora, o projecto em análise configura uma situação de natureza idêntica ou, pelo menos, semelhante à do caso atrás mencionado, pelo que se afigura inquestionável a sua conflitualidade normativa, determinante da sua «morte», imediata ou a prazo, face aos princípios enunciados.

Por último, importa ponderar se no actual momento será ainda possível e em que medida, face ao regime de transição, legislar no sentido pretendido pelo projecto de lei n.° 35/V, apresentado pelo Partido Comunista, já que no mesmo se faz uma discriminação entre cidadãos nacionais e cidadãos de Estados membros quanto à concretizaâo do direito de estabelecimento.

As normas transitórias respeitantes ao direito de estabelecimento e à prestação de serviços constam dos artigos 221.° a 232.° do Acto de Adesão.

A regra geral nesta matéria é a da aplicação imediata. No entanto, admite-se que Portugal mantenha algumas restrições, como as que resultam do artigo 221.° para as actividades do sector do turismo (agências de viagens) e do cinema.

Outrossim, o direito de estabelecimento pode ser afectado pelas restrições que podem subsistir quanto ao investimento directo de estrangeiros até 31 de Dezembro de 1989 (cf. artigo 222.° do Acto de Adesão).

Até 31 de Dezembro de 1989, o Estado Português pode manter o regime de autorização casuística quanto aos investimentos estrangeiros que ultrapassem determinados montantes e que são aumentados gradualmente.

Com efeito, de harmonia com o n.° 1 do já mencionado artigo 222.° do Acto de Adesão, Portugal pode manter até à indicada data um regime de autorização prévia para os investimentos directos efectuados em