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2 DE JUNHOP DE 1990

1399

É assim, de harmonia com o Regimento e na sequência de despacho de distribuição do Presidente da Assembleia da República, que cumpre a esta Comissão emitir parecer sobre a proposta de lei n.° 134/V (Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira), apresentada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

Antecedentes históricos

Atenta a natureza do diploma e a particular importância que assume na consolidação da autonomia política da Região a que se destina, parece-nos pertinente tecer algumas considerações prévias da análise, necessariamente sucinta, do seu articulado, pois que nos encontramos ainda, e apenas, numa fase do processo legislativo que precede a apreciação e debate, na generalidade, da proposta de lei em Plenário.

No n.° 1 do artigo.227.0 da Constituição teve-se o cuidado, o acerto e o realismo de consignar que «o regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares».

É, pois, indispensável ter presente na análise da proposta de lei em apreciação os preceitos constitucionais relativos às regiões autónomas e os antecedentes históricos que justificaram o regime de autonomia política e administrativa que a Constituição lhes conferiu.

Não tem cabimento trazer à colação, aqui e agora, as polémicas e opiniões que dividem os historiadores quanto ao momento exacto e circunstâncias em que se dá o «achamento» ou «descoberta» das ilhas que compõem o arquipélago que hoje constitui a «Região Autónoma da Madeira».

Parece, no entanto, historicamente assente que já em documentos náuticos do século xiv se assinalam as ilhas de Porto Santo e da Madeira.

Narra a lenda que por volta de 1350 terão alcançado a ilha da Madeira Ana de Marfet e Machim (que terá dado o nome à vila de Machico), nobres ingleses que, contrariados nos seus amores, se haviam posto em fuga para França, tendo uma tempestade desviado da rota a nau em que seguiam.

Apesar de o episódio ter inspirado a interessante Epanáfora Amorosa de D. Francisco Manuel de Melo, o certo é que os historiadores consideram dever-se a (re)descoberta das ilhas aos navegadores portugueses João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, Porto Santo em 1419 e a Madeira no ano seguinte, 1420 (v. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol. il, p. 140).

Importa registar que o infante D. Henrique cedo se deu conta de que as ilhas, mercê da distância, processo de povoamento e demais condicionalismos, não podiam ser governadas nem administradas da mesma forma que o era o território português da Península.

Foi assim que instituiu a Capitania de Porto Santo, de que ficou donatário Bartolomeu Perestrelo, a Capitania de Machico, de que ficou donatário Tristão Vaz Teixeira, e a Capitania que abrangia o Funchal e a parte restante da ilha da Madeira, de que ficou donatário João Gonçalves Zarco.

Na linha de tais preocupações, as cartas de doação, que instituem as capitanias, conferem, desde logo, amplíssimos poderes aos donatários.

Escreve a este respeito o historiador madeirense P.e Fernando Augusto da Silva:

Não é, portanto, de estranhar que ao investir Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo na direcção das três Capitanias em que foi dividido o arquipélago, lhes tivesse outorgado tão amplas faculdades de governo no regimento a que Gaspar Frutuoso várias vezes se refere e em particular expressas nas cartas de doação aos mesmos donatários.

Com o estabelecimento dessas Capitanias criou--se um sistema de administração que posteriormente se estendeu às ilhas açorianas e às terras do Brasil, havendo perdurado por dilatados anos e produzido resultados apreciáveis, apesar das deficiências e imperfeições que continha. [In Elucidário Madeirense, vol. I.]

A este propósito escreveu também o experimentado jurista Augusto da Silva Branco Camacho:

As cartas de doação das ilhas aos capitães donatários concediam-lhes, com efeito, amplos poderes de governo com jurisdição cível e criminal, reservando à Coroa apenas o direito de fazer guerra e paz, cunhar moeda e aplicar penas que implicassem talhamento de membro. [In Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes Actualizado e Anotado, Ponta Delgada, 1965.]

Noutro estudo, intitulado Em Defesa da Autonomia Administrativa das Ilhas Adjacentes (1962), o mesmo autor, depois de denunciar que constitui erro grosseiro situar o início da autonomia insular no século passado, com Hintze Ribeiro e Vicente de Freitas, escreve:

Temos por assente que os primeiros documentos oficiais outorgados por autoridade competente, como hoje se diria, e constitutivos da mais ampla autonomia insular foram as cartas de doação do Infante D. Henrique.

Não deixou, porém, o desenrolar da história e dos diversos movimentos e tendências que se foram registando em Portugal de influir na maior ou menor amplitude dos poderes políticos e administrativos próprios das ilhas.

Assim, a forte tendência centralizadora que veio a ter em D. João II, o expoente da «centralização monárquica», não deixou de se repercutir no governo e administração das ilhas, culminando com a criação dos Governos das Capitanias Gerais em 1776.

No entanto, documentos da época atestam que, apesar da tendência centralizadora que levou à sua criação, os governadores capitães gerais mantiveram, ainda, amplos poderes políticos, administrativos e juridicio-nais.

Porém, foi-se ainda mais longe na centralização ao impor-se uma uniformização administrativa através dos códigos liberais.

Tais medidas centralizadoras estiveram na base da intensificação, no fim do século passado, do movimento autonomista desencadeado por intelectuais e políticos insulares que ganhou notória repercussão na imprensa e no Parlamento.