17 DE FEVEREIRO DE 1993
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Passados mais de dois anos sobre a publicação do Decreto-Lei n.° 257/90, a situação não se alterou. São frequentes os testemunhos de técnicos e atletas, dirigentes ou médicos referindo a generalizada situação de ausência de condições para que possam desenvolver eficazmente a sua actividade. Desta situação decorrem enormes prejuízos para o desenvolvimento da alta competição e para a afirmação do desporto e do País a nível internacional. Os resultados obtidos nos recentes Jogos Olímpicos de Barcelona traduzem com toda a clareza esta realidade.
O PCP tem vindo a afirmar o compromisso de apresentar uma iniciativa legislativa sobre alta competição que estabeleça o caminho a seguir para estruturar este subsistema desportivo em bases sólidas, de forma a superar uma situação que nos coloca entre os países europeus mais atrasados do ponto de vista desportivo.
Do trabalho realizado pelo grupo de estudos para a política desportiva junto do comité central do PCP, que incluiu a realização de um seminário sobre política desportiva em 16 de Maio de 1992, e de uma vasta recolha de opiniões envolvendo atletas, técnicos e dirigentes desportivos resulta o projecto de lei de enquadramento do desporto de alta competição, que o Grupo Parlamentar do PCP agora apresenta.
2 — Desde sempre a alta competição tem vivido dois problemas maiores entre nós.
Por um lado, a falta de meios fornecidos aos atletas, às federações, às associações distritais (ou regionais) e aos clubes. De facto, pode dizer-se que a alta competição tem surgido de forma espontânea, sem um quadro coordenador minimamente eficaz e, em especial na última década, sem tomar na devida conta a profunda transformação social das actividades desportivas.
Por outro lado, o prejuízo sofrido ou, pelo menos, o enorme sacrifício realizado pelos atletas, pelos treinadores e pelos dirigentes. É conhecido o grande número daqueles que interromperam definitivamente os estudos, foram desqualificados profissionalmente ou viveram enormes dificuldades na reinserção social, esgotado que foi o seu tempo de rendimento óptimo.
As consequências foram directas e sempre graves, quer para os atletas, dirigentes e técnicos, quer para o próprio desporto português.
O atraso que temos vivido tem-se mantido constante, se tomarmos em consideração a evolução relativa dos diferentes países europeus e do resto do mundo, e o facto de que o reduzidíssimo número de êxitos internacionais se deve ou a causas fortuitas ou a conjunturas particularmente favoráveis.
Nunca foi definido um conjunto de medidas coerentemente articuladas entre si que figurasse uma política de apoio à alta competição. Têm sempre prevalecido a improvisação e o miserabilismo dos meios colocados à disposição das federações e dos clubes.
A verdade é que o antigo argumento de que os Portugueses não tinham nem qualidades nem vontade para serem campeões (porque não eram de raça latina!) ruiu inteiramente perante os êxitos alcançados (significativos, ainda que pontuais), nas condições que são de todos bem conhecidas.
A constatação desta situação é particularmente importante quando a evolução vivida pelo desporto em todo o mundo, e também entre nós, impõe que se utilize uma nova lógica para se apreciar os problemas que a rodeiam. De facto, não é possível continuar a olhar para esta questão
a partir dos mesmos critérios que predominavam há 15 e, mesmo, há 10 anos atrás.
Esta nova lógica para a alta competição desdobra-se em dois aspectos centrais: dignificar o atleta e humanizar toda a estrutura que o enquadra, orienta e apoia e colocar Portugal ao nível de outros países mais avançados desportivamente, realizando um esforço relativo semelhante no apoio ao desenvolvimento da alta competição.
3 — A transformação recente do desporto demonstrou que os elementos que devem integrar a alta competição não emergem automaticamente dos praticantes desportivos, seja qual for a sua quantidade. Isso foi possível no passado, quando as formas que ela revestia eram bem mais simplificadas e menos exigentes. Actualmente é indispensável tomar medidas adequadas capazes de permitirem a detecção, a formação, a especialização e o aperfeiçoamento constante daqueles que vão integrar a alta competição. É também por isso que ela se afirma de forma bem delimitada como um subsistema específico, ainda que não independente, no interior do Sistema Desportivo Nacional.
A transformação social vivida nas duas últimas décadas colocou o desporto no desempenho de uma importante função de formação do indivíduo, de melhoria da qualidade de vida dos grupos sociais e de afirmação internacional das nações.
A incompreensão deste desempenho, com as consequências materiais e humanas daí decorrentes, é uma das causas dos graves desvios que sofre actualmente o desporto. A alta competição desempenha neste contexto um papel fundamental.
A função social do campeão tem-se acentuado permanentemente, quer como embaixador internacional do País, quer na educação da juventude, quer também no próprio desenvolvimento desportivo. Este papel, que se afirma cada vez mais fortemente, deve ser devidamente reconhecido.
A noção de «equipa nacional» deve ser recuperada num sentido sadio e justo, como elemento catalizador de vontades. A dignidade da sua formação, preparação e prestação não deve ser confundida com o resultado final, evidentemente importante, mas que não deve ser considerado como um absoluto.
O movimento desportivo constitui um factor de desenvolvimento sócio-cultural insubstituível. Nele, a estrutura federada é, no presente, o elemento mais sólido e historicamente afirmado. A redução do seu papel ou substituição por qualquer outra forma não só levará à perda da democraticidade do sistema, mas também à perda do esforço precioso daqueles que deram corpo à alta competição.
O processo de consolidação do subsistema da alta competição de acordo com a nova lógica preconizada deve obedecer ao princípio do planeamento como forma de rendibilizar os limitados meios de se que dispõe. A época da improvisão e da falta de estruturas tem de ser definitivamente liquidada e substituída por uma definição clara de objectivos formulados pelo movimento desportivo e pela conquista de meios que devem resultar do esforço concertado de todos os intervenientes.
A política de alta competição não pode resumir-se à definição de um estatuto para os atletas que já se afirmaram, sem que tal signifique negar-lhes a sua importância própria. Na verdade, é indispensável que abarque os diferentes momentos, formas e estruturas intervenientes que se responsabilizam pela formação, maturação e reinserção social do atleta de alta competição.
É indispensável que a sociedade reconheça que a alta competição exige sempre o sacrifício dos seus praticantes