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20 DE JUNHO DE 1996

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providência administrativa e não um verdadeiro acto legislativo»;

Os princípios da autonomia da vontade e da liberdade de associação estabelecidos no artigo 46." da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a proposta de lei elege como destinatários uma categoria específica de pessoas colectivas de tipo associativo — os clubes de futebol — que não possuem autonomia relativamente ao conjunto dos clubes desportivos;

Os princípios da igualdade e da proporcionalidade estabelecidos', respectivamente, nos artigos 13.° e 18.° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, tendo como únicos destinatários os clubes de futebol, a «medida legislativa» em questão é discriminatória em relação a outros sujeitos de direito.

Tendo sido solicitadas a esta Comissão a apreciação e a emissão do parecer a que se refere o artigo 139.°, n.° 4, do Regimento, importa proceder a uma breve análise das questões jurídico-constitucionais suscitadas no presente recurso, • reservando para a discussão a realizar em Plenário quaisquer considerações que os diversos grupos parlamentares entendam produzir quanto ao respectivo mérito político.

2 — Na base de todos os fundamentos do presente recurso está 6 alegado.carácter individual e concreto das disposições contidas na proposta de lei n.° 407VD..

Apesar da relativa imprecisão técnico-jurídica com que estes conceitos são utilizados, consideram os recorrentes que as disposições constantes da proposta de lei em apreço não estão dotadas da generalidade e da abstracção que caracterizam as normas jurídicas, razão pela qual estaríamos perante «um acto ou providência administrativa e não um verdadeiro acto legislativo».

Porém, em nenhum momento os recorrentes especificam quais as disposições que, por revestirem natureza individual e concreta, violam os princípios e normas constitucionais invocados, sendo certo que a isso estariam obrigados ao fazer apelo a um conceito de lei em sentido material, ao qual parece estar associada a ideia do «verdadeiro» acto legislativo.

Dè facto, não é possível determinar a natureza jurídica da proposta de lei n.° 40/VTI sem analisar, caso a caso, o conteúdo das respectivas disposições, do mesmo modo que não é possível aferir da existência na mesma proposta de lei de eventuais inconstitucionalidades que, por se referirem à matéria ou ao conteúdo dos princípios e normas constitucionais que se pretendem violados, pressupõem obrigatoriamente a especificação das «normas» cuja apreciação se requer (o princípio do pedido resulta claramente, no que se refere aos processos de fiscalização abstracta da constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional, do disposto no artigo 51.° da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e alterada pela Lei n.° 143/ 85, de 26 de Novembro, e pela Lei orgânica n.° 85/89, de 1 de Setembro).

3 — Concedendo, porém, que a imprecisão com que é delimitado o objecto do recurso não obsta ao conhecimento do seu mérito, não se pode aceitar a qualificação que, embora de forma vaga e obscura, se imputa à proposta de lei n.°40/VU.

.Entende-se normalmente que uma disposição tem carácter geral quando se destina a aplicar a uma.pluralidade de sujeitos, definidos através de conceitos ou categorias univer-

sais, e que é abstracta quando nãp se esgota numa única aplicação, produzindo os' seus efeitos sempre que se verifiquem os factos ou as situações da vida por ela tipificados.

Na proposta de lei em apreço, e não obstante as dúvidas que poderão existir relativamente à abstracção de algumas das suas disposições, designadamente as relativas ao regime de pagamento das-dívidas referentes a impostos e a contribuições para a segurança social contraídas pelos clubes.de futebol até 31 de Maio de 1996 (dúvidas que já não se colocam relativamente às disposições da proposta em' análise que respeitam ao regime de distribuição das receitas do Totobola), não parece possível questionar a sua generalidade.

Com efeito, a generalidade da lei não se confunde com a sua universalidade e não é a circunstância de a mesma não se aplicar indistintamente, a todos os sujeitos de direito que prejudica aquela qualidade. Como bem salienta Marcelo Rebelo de Sousa, «os destinatários podem ser categorias de cidadãos [...] ou pode ser a generalidade dos cidadãos» (cf. «A decisão de legislar», in Legislação Cadernos de Ciência de Legislação, n.° 1, 1991, p. 24).

Neste caso, os destinatários são recortados através de uma categoria,genérica de sujeitos de direito — os clubes de futebol — sem que se possa individualizar com rigor o clube A ou B. Trata-se de sujeitos de direito indeterminados, ainda que em teoria sejam determináveis, nos mesmos termos em que, em cada momento, são determináveis os destinatários de quaisquer normas jurídicas, sejam eles os cidadãos obrigados à prestação do serviço militar ou os Deputados abrangidos pelo regime de incompatibilidades.

Não colhe a este respeito argumentação de que os «clubes de futebol» são uma categoria jurídica inexistente no nosso ordenamento, não apenas porque se tal categoria não existisse previamente passaria a existir com a entrada em vigor do diploma em análise, que a delimita, como também porque, pelo contrário, a imprecisão do conceito utilizado na previsão normativa contribui para diminuir o grau de determinabilidade dos seus destinatários, afastando eventuais dúvidas que pudessem subsistir quanto ao seu carácter geral.

4 — Por outro lado, não é verdade que as leis tenham de revestir carácter geral e abstracto sob pena de não serem «verdadeiros actos legislativos».

A Constituição estabelece no seu artigo 115.° um princípio de tipicidade das leis, ao dispor que «são actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais»-(artigo 115°, n.° 1), não podendo «nenhuma lei criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 115.°, n." 5).

O critério de identificação dos actos legislativos é, no entanto, meramente formal, não sendo possível encontrar naqueles preceitos constitucionais qualquer referência que exija à lei um sentido material específico. Conforme salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «nenhuma disposição constitucional obriga, por exemplo, que o acto legislativo envolva necessariamente normas gerais e abstractas» (cf. Constituição Anotada, 3." ed., Coimbra, 1993, p. 502).

Pelo contrário, é unanimemente reconhecido pela doutrina que as leis não têm necessariamente de revestir carácter abstracto (desde logo, a própria Constituição prevê expressamente leis que não gozam de abstracção, designadamente as leis do Plano e do Orçamento, as leis de amnistias e as leis de declaração de estado de sítio ou de emergência). As leis medida, por exemplo, que precisamente traduzem «me-