O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

22 DE FEVEREIRO DE 1997

358-(21)

cia a fixar prazos tenha a ver com aspectos emocionais: é que após as 22 semanas se trata já de um recém-nascido prematuro, de morfologia muito próxima da do recém-nascido a termo. De facto, se faz eco o enquadramento legal, ao exigir certidão de óbito e prescrever enterro do feto abortado após este limite. Para além dos aspectos emocionais, há igualmente aspectos obstétricos a considerar: após o mesmo limite, o abortamento reveste a forma da indução de um parto prematuro; e, sendo certo que nos nossos centros de prematuros se ministram cuidados intensivos aos prematuros com 24 ou mais semanas de gestação, poderá acontecer que o feto abortado esteja vivo e seja necessário deixá-lo morrer, por omissão de cuidados adequados, o que tecnicamente se aproxima muito do infanticídio, se é que não configura esse delito (não há exclusão de ilicitude, no que respeita ao infanticídio)». É de mencionar tão-só que:

Os aspectos emocionais, culturais e obstétricos não são indignos de valorização pelo legislador;

Os limites constitucionais da ponderação a fazer já foram avaliados pelo Tribunal Constitucional nos dois acórdãos mencionados.

C — Aborto ético. —Também neste ponto não se trata de recomeçar a partir do zero o debate de 1984 (ou de 1994--1995) sobre a não punibilidade da interrupção voluntária de gravidez quando houver sérios indícios de que a mesma resultou de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual. Está em causa saber se deve alargar-se o prazo legal previsto para o efeito. Numa eventual comprovação das observações atrás feitas sobre a «invisibilidade» relativa da reforma penal de 1994-1995, o parecer do CNECV citado não aparenta distinguir entre o comentário aos projectos pendentes e a apreciação de soluções que, desde 1994-1995, estão já na lei, designadamente quando refere:

De qualquer modo, não deverá, em caso algum, substituir-se o termo «violação», de conteúdo médico-legal e criminológico bem definido, pela expressão «crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual», expressão cujo significado vago e elástico constitui um potencial gerador de complexos conflitos jurídicos (que provas poderia uma mulher de que a sua gravidez, que pretende interromper, resultou de uma relação que lhe foi imposta pelo marido ou companheiro?).

Há nesta observação um equívoco, decorrente de o CNECV ter tomado a expressão no sentido vulgar (como revela o exemplo dado). A expressão deve ser usada no sentido que lhe dá o Código Penal, que define rigorosamente, como é constitucionalmente obrigatório, os tipos criminais fundados na violação da liberdade sexual.

Para esses casos, são propostos dois tipos de alargamento:

Geral — de 12 para 16 meses; Prazo especial aplicável a menores; Prazo especial aplicável a mulheres afectadas por anomalia psíquica.

O projecto de lei n.° 177/VTI propõe que a PVG seja não punível nas primeiras 22 semanas, nos casos de vítima menor de 16 anos ou incapaz por anomalia psíquica; o projecto de lei n.° 235/VII propõe que o alargamento do prazo se faça até às 16 semanas, sem distinguir prazo especial para casos de anomalia psíquica; o projecto de lei n.° 236/VIJ propõe o alargamento geral (para as 16 semanas) e especial (até às 18 semanas) no caso de vítima menor ou incapaz por anomalia psíquica.

A distinção tem como fundamento as diferenças objectivas de capacidade de emissão de um consentimento e os comportamentos típicos das vítimas da violência, sexual no contexto social e cultural português. É, porém, de notar que:

Em ambos os casos a decisão de interromper a gravidez emana de terceiros (artigo 142.°, n.05 3 e 4);

Não está devidamente regulada a situação das grávidas portadoras de anomalia psíquica. Na revisão constitucional estão a ser consideradas soluções quanto ao internamento, na sequência de uma proposta apresentada pelo PS — artigo 27.°, alínea f). O problema aqui em causa é, porém, muito mais complexo.

Parte-se do princípio de que nesses casos os processos de apuramento de situações são mais lentos e as possibilidades de «incidentes de segredo» (retardadores da percepção da violência) maiores. A opção por alguma das três modalidades de prazo implica um aprofundamento das respectivas fundamentações.

D — Aborto eugénico. —As propostas em apreço visam reformular o artigo 142.°, n.° 1, alínea c), do Código Penal, por forma a não punir a interrupção da gravidez feita dentro dos demais limites legais se:

Houver seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável e irreversível, de doença grave ou malformação congénita e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente (projecto de lei n.° 235/VH);

Houver seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença, nomeadamente HIV (síndroma de imunodeficiência adquirida) ou malformação e for realizada nas primeiras 22 semanas de gravidez (projecto de lei n.° 177/VTJ.);

Houver seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez (projecto de lei n.° 236/VJJ).

a) O debate tem-se centrado no alargamento de prazos, mas* as propostas aventam inovações na definição dos contornos típicos da cláusula:

Alusão a doença «irreversível» (em acréscimo a incurável);

Precisão de que a malformação deve ser congénita;

Alusão explícita (exemplificativa) à HTV do nascituro (identificada, sem rigor, com a sida) como situação habilitadora de autorização legal para interrupção.

A primeira alteração agrava as exigências da cláusula vigente e, correlativamente, diminui a margem legal para a IVG; a segunda teria como efeito excluir as demais situações de malformação que hoje fundamentam o abortamento.

A terceira proposta suscita melindrosas questões, examinadas no decurso das audições parlamentares. Nessa sede, o Prof. Pereira Leite analisou nos seguintes termos o dilema ético da mulher com HTV:

Desde logo uma portadora assintomática de HIV não é exactamente a mulher que tem sida. Os casos de gravidez em mulheres que têm sida propriamente são relativamente pouco frequentes, sendo mais frequentes os casos em mulheres que são portadoras de HTV. Se tomarmos as precauções de tratar a mulher durante a gravidez com AZT, se fizermos uma cesa-