358-(24)
II SÉRIE-A — NÚMERO 23
às 12 semanas, segundo o chamado «método dos prazos» (projecto de lei n.° 177/VTJ) ou até à 12 semana, segundo o método das indicações, com definição de uma «indicação social» formulada ém termos latos (projecto de lei n.° 236/VTJ).
As razões a favor e contra tal mudança legal foram exaustivamente discutidas nas audições públicas e continuarão seguramente a sê-lo — não foi possível nesta sede recorrer a dados de sociologia comparada para examinar a situação de países que consagraram esta modalidade de descriminalização. Afigura-se curial apurar o impacte efectivo e os custos sociais de cada uma das opções, matéria em que a análise da experiência alheia é importante. Constituem ponto de divergência entre os parlamentares e em toda a sociedade portuguesa.
Na interpretação do Supremo Tribunal dos EUA, expoente do chamado «modelo dos prazos», a autonomia pessoal da mulher deve prevalecer sobre a vida intra-uterina que não tenha ainda viabilidade autónoma — cf. a célebre síntese (e apologia) de Laurence Tribe, Abortion, The Clash of Absolutes, 1992). No seu Acórdão de 25 de Fevereiro de 1975, e mais recentemente no Acórdão de 28 de Maio de 1993, o Tribunal Constitucional alemão, célebre guardião do modelo das indicações, entendeu que nos termos constitucionais recai sobre a mulher o dever de garantir o normal desenvolvimento do feto, merecedor de protecção jurídica como vida em projecto. Tal só não acontecerá excepcionalmente, em circunstâncias que justifiquem considerar-se excessivo e logo «inexigível» o cumprimento desse dever.
Ressalvadas as significativas diferenças de filosofia, as soluções fundadas num e noutro dos modelos podem diluir--se, sobretudo face a normas que construam «indicações sociais» segundo fórmulas de contornos amplos.
No caso português, desde 1994-1995, é relevante lembrar que as indicações eugénica e ética, nos seus contornos actuais, já são, na substância, «indicações sociais». Este facto levou certos intérpretes a considerar que «o princípio da igualdade recomenda o acolhimento de uma expressa indicação social que afaste a punibilidade do aborto em casos de grave carência social — cf. Rui Pereira, O Crime de Aborto e a Reforma Penal», cit., p. 108.
As complexas questões que as propostas agora apresentadas suscitam no plano constitucional nunca foram apreciadas pelo órgão supremo de fiscalização em Portugal (por, em sede parlamentar, terem sido sempre reprovadas iniciativas legislativas com tal objectivo) e não serão analisadas no presente parecer.
0 relator poderia, sem dúvida, submeter nesta sede uma proposta de enquadramento das questões em apreço. Mas, segundo a orientação constante da Comissão, não tendo sido deduzido recurso contra a admissão dos projectos de lei n.05 177/VTI e 236/VTJ, por alegação de inconstitucionalidade, é no Plenário que tais questões podem vir a ser examinadas e nada poderia neste momento impedir o acesso a tal debate — nem isso seria desejável por bloquear a pública exposição de razões e argumentos, essencial para a assunção democrática de responsabilidades e convicções. A consciência das Deputadas e dos Deputados será deixada a opção final.
F — Outras questões:
1 — Despenalização da interrupção da gravidez fora das indicações e prazos estabelecidos pela lei. — O projecto de lei n.° 177/Vn despenaliza, no caso da mulher, a interrupção da gravidez fora das indicações e prazos estabelecidos pela lei e em quaisquer circunstâncias (de facto, elimina o n.° 3 do artigo 140." do Código Penal). É manifesto o propósito filantrópico da norma, suscitando os seus termos muito
melindrosos problemas. Não se fixando limite de tempo, mas não se tendo suprimido a norma que incrimina o infanticídio, decorre da proposta a despenalização do aborto até ao momento do nascimento e em quaisquer circunstâncias. Sobre a matéria, assinalou o CNECV:
Embora se trate de matéria de política criminal, não se pode deixar de apresentar veemente contestação, de raiz ética, a esta proposta. Em primeiro lugar, por a vida humana ser um bem jurídico-criminal, inviolável (Constituição da República Portuguesa, artigo 24.°, n.° 1), encontrando a- protecção que lhe é concedida a sua contrapartida na criminalização dos atentados a essa mesma vida, abrindo-se apenas excepções, ou seja, situações definidas como justificando a exclusão da ilicitude; em segundo lugar, por a lei penal se revestir de carácter preventivo e pedagógico que não deve ser subestimado; em terceiro lugar, por ser incoerente apre-' sentar-se um projecto pretensamente orientado no sentido de evitar o aborto clandestino e, ao mesmo tempo, facilitar-se a prática deste último, despenalizando-o (no que concerne à mulher).
Nos termos em que se acha redigida a proposta, ela suscita problemas de compatibilização com as normas constitucionais aplicáveis, continuando a punir os médicos, pressupondo a execução de aborto em circuito clandestino ou em auto-aborto e tratando da mesma forma o aborto por desespero e o aborto com quebra de regras fundamentais, de que um caso típico é o aborto por descoberta de que o feto é «do sexo errado» (pretendendo-se menina ou, muito mais frequentemente, menino); esta prática é lamentavelmente frequente em certos países (cf. o florescimento na índia de clínicas de ecografia com intervenção selectiva pré-aborti-va, fenómeno que suscita justificada preocupação nos fora internacionais de defesa dos direitos das mulheres), criando uma cláusula de exclusão de responsabilidade absoluta e não selectiva.
A questão a que se visa dar resposta (minorar o sofrimento da mulher) pode, porventura, ser equacionada e resolvida precisando, como faz o artigo 133.°, uma cláusula de exclusão de culpa da mulher quando aja em situações de desespero, emoção, inimputabilidade.
2 — Penalização da propaganda da interrupção voluntária da gravidez. — O CNECV considerou a proposta «desprovida de fundamento ético discernível», acrescentando:
De facto, se se pretende isentar a mulher gráyiàa de influências e comportamentos indutores, a medida proposta é inteiramente redundante, já que a legislação exige o consentimento informado ou esclarecido, e o que caracteriza esse consentimento é precisamente o seu carácter autónomo, após informação correcta,' total e isenta.
Suscita, porém, delicados problemas técnico-jurídicos e de política legislativa articulada. A norma é.do seguinte teor:
Quem, por qualquer modo, fizer propaganda ou publicidade de produto, método ou serviço próprio ou de outrem como meio de promover a interrupção voluntária da gravidez será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Deixando de lado os problemas de distinção entre «propaganda» e «publicidade» (conceitos susceptíveis de serem