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II SÉRIE-A — NÚMERO 23

nana e não a deixarmos aleitar, a probabilidade de transmissão é à volta de 10%. Se este é ou não um grave risco de transmissão, entramos nas zonas cinzentas, interpretativas. Compreendo que se nós, que somos obstetras, temos uma tendência para pensar no embrião e no feto e pensamos que 90 % são normais, também admitimos que uma mãe se preocupe com os 10 %, que para ela são importantes. Mas é uma zona cinzenta. E depois, também como obstetras, não nos podemos desinserir dos problemas sociais e dos pro-, blemas de evolução da criança, da educação, etc. Não podemos deixar de dizer que todos estes são problemas graves. Vamos cair no tal problema de consciência puro, ou seja, no problema de consciência da mãe e do médico. E não podemos, aqui, ir mais longe do que isso. Apesar de tudo, penso que a probabilidade, em termos biológicos, é muito pequena. É de 10% e, na rotina (médica), quando há uma probabilidade de 10%, não temos uma atitude de acharmos que ela é uma probabilidade grande». Isto é o que eu penso, mas compreendo perfeitamente que uma mãe pense exactamente o contrário e, portanto, entendo que os mecanismos da lei devem dar esta liberdade aos dois lados de tomarem uma posição.

A*o pôr a ênfase no nascituro contaminado, a proposta implica uma prognose de contaminação (que reveste as características descritas). É justo reconhecer-se, porém, que esta não suscita nem maiores nem menores dificuldades do que as suscitadas pela actual prognose de «grave doença».

Incluir a explicitação, sinal de um tempo ameaçado pelo flagelo da sida, implica por parte do legislador a disponibilidade de «dar um sinal». Mas que sinal? A experiência mais recente nos EUA (onde anualmente há cerca de 7000 mulheres HIV-positivas que engravidam) convida a meditar. «Like many who are trying to leave a mark before they die, theyfeel the best they can leave is a baby» — Wilbert Jordan, do King-Drew Medicai Center, aludindo ao dilema ético da grávida com HTV, entre o medo do risco e a vontade de deixar um sulco no mundo (The Abortion Dilemma, cit., p. 180). Donde a importância da protecção, informação e esclarecimento da mulher, responsabilidades insubstituíveis do sistema de saúde.

b) Quanto ao alargamento dos prazos, rfata-se de matéria de cunho científico, cuja decisão há-de desejavelmente fundar-se em informação propiciada por especialistas e na utilização de critérios despojados de filtragem segundo critérios políticos ou ideológicos. Pelamesma razão, trata-se de algo que, pela sua natureza, é matéria imprópria para consulta referendária. No tempo de Galileu, como hoje, não faz sentido um referendo para apurar se a terra gira ou não à volta do sol. Eppure si muove.

As audições públicas e os documentos remetidos ao Parlamento ajudaram'a enriquecer o debate, mas não permitiram dirimir todas as questões.

1 — Contagem dos prazos: como? — Em documento remetido à Comissão de Saúde pelo Grupo de Trabalho sobre Genética Médica da Direcção-Geral da Saúde — ofício n.° 12 245, de 3 de Julho de 1996, dirigido ao presidente da Comissão de Saúde — refere-se a «total indefinição quanto ao modo de contagem» nos termos seguintes:

Para uns conta-se tendo como base a data da última menstruação e para outros a data da concepção. Outros, ainda, recorrem a técnicas de contagem ainda mais aleatórias. Há ainda os que contam conforme «dá

jeito», interpretando, por exemplo, num caso, as 22 semanas como contadas a partir da data da última menstruação, mas, noutro caso de diagnóstico mais tardio, já contarão as mesmas 22 semanas a partir da data da presumível concepção, ou seja, 24 semanas a partir da última menstruação. Há que considerar, também, que a contagem com base em dados deste tipo depende exclusivamente do que a grávida diz e, frequentemente, como lhe «dá jeito dizer» por forma a o seu caso ser incluído dentro do limite temporal estabelecido.

Preconiza-se seguidamente uma técnica de apuramento:

Não há hoje qualquer dúvida de que a técnica mais exacta e rigorosa, portanto cientificamente mais correcta, é a ecografia precoce. Além disso, e independentemente do que a grávida diz assim como do «jeito que dá» contar desta maneira ou daquela. Assim, os limites temporais de idade ¿estacional devem, obrigatoriamente, ser contados em função dos dados eco-gráficos precocemente obtidos. Factores aleatórios e outros serão, deste modo, afastados.

Não é, porém, um ponto de vista incontroverso, como se afere pelo depoimento feito em audição parlamentar pelo Prof. Doutor Pereira Leite:

[...] a ecografia é uma técnica que depende do ecografista e estou tão à vontade para o dizer quanto pertenço a um departamento relativamente ao qual posso dizer, sem vaidade e até de maneira honesta e sincera, que talvez seja um ponto de referência no País, no que respeita a ecografia, porque fomos os pioneiros e os introdutores de várias técnicas. Inclusivamente, fomos nós que fizemos aquele trabalho que tiveram oportunidade de ver sobre a rapidez da informação do cariótipo, etc. Portanto, pertenço a um departamento que, até do ponto de vista europeu, não tenho dúvidas em dizer, e porque pertenço à direcção da Associação Europeia de Diagnóstico Pré-Natal, está tão actualizado quanto os ingleses, os franceses ou os alemães.

Porém, essa não é a realidade do País, nem sequer £ a realidade absoluta do meu departamento no geral, porque aí tenho pessoas altamente especializadas e outras que o não são tanto, havendo até internos em formação e pessoas mais jovens e conforme a ecografia é feita pelo senhor A ou B ou C há muita diferença.

E até mais: conforme o senhor A, que por acaso é até altamente diferenciado, está mais preocupado com o trabalho, pois tem de fazer 20 ecografias ou tem de fazer 10, a situação não é exactamente igual.

2 — Que prazos? — Existe incerteza quanto ao prazo mais adequado. Mesmo aceitando que alguma incerteza é cc-na-tural ao conhecimento científico e que nenhuma pretensão de «lei eterna» tem cabimento, a tomada de uma decisão sobre este ponto recomenda esclarecimentos ulteriores, como revela a breve amostra seguinte:

A Ordem dos Médicos, em 30 de Janeiro de 1997, manifestou-se claramente a favor do alargamento dos prazos do aborto eugénico: «o alargamento do período de diagnóstico de malformação é correcto, é difícil que essas malformações sejam precocemente detectadas». Justificou ainda tal posição como pró-natalista, dado que, com o alargamento dos prazos, pode-se vir posteriormente a concluir que um feto dado inicialmente como inviável afinal é normal.