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22 DE FEVEREIRO DE 1997

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Para captar devidamente ordenamentos jurídicos distintos é, no entanto, necessário um esforço mais intenso e uma perspectiva que transcenda a comparação tabelar e «a histórica» de textos.

0 «funcionamento» mais eficaz (ou menos eficaz) das leis decorre sempre em alguma medida de factores culturais específicos ou de uma engenharia social formada por vários instrumentos e não apenas por um. Existem complexas interacções entre a lei, a realidade e a realidade (ou irrealidade) da lei é delas fruto.

No caso em apreço, uma lei cuja letra é mais restritiva que a portuguesa conduziu em Espanha à elevação do número de abortos tanto em meio hospitalar como no sistema de saúde privado. Mulheres portuguesas recorrem, de resto, a essas clínicas do outro lado da antiga fronteira, em condições de sigilo e segurança razoáveis, no quadro das regras europeias em matéria de liberdade de circulação. Aí encontram o que, com letra de lei menos restritiva, o sector privado não lhes propicia e o sector público lhes recusa em Portugal.

Por outro lado, os quadros apresentados, sendo uma su-persíntese, não podem transmitir nem a complexidade da evolução ao longo de decénios, nem grandes mudanças (v. g. as decorrentes do fim da RDA, muito complexas em matéria de aborto), nem o exacto estado do problema em cada país referido.

Nos EUA, por exemplo, o Supremo Tribunal, no caso Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania vs. Casey (1992) (texto integral em http://pilot.msu.edu/user/schwenkl/ abrrbng/50 5us833.htm), manteve o precedente estabelecido em Roe vs. Wade (1973), segundo o qual os estados não podem estabelecer limites à interrupção voluntária de gravidez na primeira fase da vida intra-uterina (até à «viabilidade»), mas reconheceu aos estados competência para estabelecerem limitações desde que não excessivas (não geradoras de um undue burden para a mulher). Foi, assim, viabilizada a imposição à mulher de obrigações de receber informação específica sobre aborto ou de esperar determinado período antes da decisão, o não pagamento de despesas médicas (salvo quando esteja em causa a vida da grávida ou na sequência de violação), a possibilidade de notificar parentes quando se trate de menores ...

Após 1994, aumentou significativamente o número de estados que aprovaram legislação restritiva — cf. síntese no relatório publicado em http://www.naral.org/publications/ vshod97key2.html/—, o Congresso operou polémicos cortes de dotações orçamentais e aprovou o Partial-Birth Abortion Ban Act, tendente a proibir técnicas médicas de intervenção em fase adiantada de gravidez. O diploma foi vetado, porém, em 1996 pelo Presidente Clinton. Um lamentável ciclo de bombas contra clínicas, invasões, piquetes, ataques a tiro e muitos outros actos de violência e intolerância pesa sobre o quotidiano norte-americano, suscitando novas reflexões sobre as estratégias capazes de assegurar uma tutela legal equilibrada.

Fenómenos de violência similares ocorrem em.diversos países europeus, desde Jogo em França, verificando-se uma globalização nas actuações de certas organizações fundamentalistas.

Quase no fim da década de 90, a ponderação de todos estes complexos factores é certamente relevante quando se discute a correcção do quadro legal.

Não havendo «respostas feitas» e soluções «pronto-a-ves-tÍD>, só a consideração em concreto das propostas apresentadas permitirá e/encar as questões principais sujeitas à decisão da Assembleia da República e equacionar os problemas Que as mesmas suscitam.

2 — As questões a decidir

2.1 — Conttddo dos projecto*

A — O projecto do PCP visa (síntese dos autores):

A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher.

Nos casos de mãe toxicodependente, o alargamento do período atrás referido para as 16 semanas;

O alargamento de 16 para 22 semanas nos casos de aborto eugénico, especificando-se que o risco de o nascituro vir a ser afectado pelo síndroma de imunodeficiência adquirida constitui um dos casos em que pode ser praticado o aborto;

O alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a interrupção voluntária da gravidez pode ser praticada, sem punição, nos casos em que a mesma se mostre indicada para evitar perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida;

O alargamento de 12 para 16 semanas no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual e, quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica, o alargamento para 22 semanas;

A obrigação de organização dos serviços hospitalares distritais, por forma que respondam às solicitações de prática da interrupção voluntária da gravidez;

A impossibilidade de obstruir o recurso à interrupção voluntária da gravidez através da previsão da obrigação de encaminhar a mulher grávida para outro médico não objector de consciência ou para outro estabelecimento hospitalar que disponha das condições necessárias à prática da interrupção voluntária da gravidez;

A despenalização da conduta da mulher que consinta na interrupção voluntária da gravidez fora dos prazos e das condições estabelecidos na lei;

Assegurar o acesso a consultas de planeamento familiar.

B — O projecto de lei n.° 235/VTJ visa («Exposição de motivos»):

Exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez sem limite gestacional nas situações de feto inviável;

Alargamento de 16 para 24 semanas, comprovadas ecograficamente, nos casos de aborto eugénico;

Alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a ÍVG pode ser praticada sem punição no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica;

Criação de comissões técnicas de avaliação de defeitos congénitos, com competências para a emissão de parecer prévio quando se esteja perante rVG por malformação ou doença grave do embrião ou feto, a instituir em todos os estabelecimentos autorizados a praticar a IVG, nos termos regulamentares e nomeada anualmente pelo conselho de gerência de cada estabelecimento de saúde;

Obrigação de reorganização dos serviços hospitalares para que estejam dotados de estruturas adequadas à prática da IVG;

Acesso e apoio pré e pós-IVG, bem como o direito a consultas de planeamento familiar.