24 DE NOVEMBRO DE 1997
245
1.3.3 — O círculo dos titulares do ius sufragii nos re-' ferendos nacionais experimentou um alargamento notável.
Antes da Lei Constitucional n.° 1/97 só tinham direito de voto os cidadãos eleitores recenseados no território nacional (artigo 118.°, hoje artigo 115.°, n.° 1, da CRP); depois, além destes, possuem-no também os cidadãos regularmente recenseados residentes no estrangeiro quando o objecto do referendo abranger matéria que «também a eles diga especificamente respeito» (artigo 115.°, n.° 12).
Por outro lado, são considerados regularmente recenseados para este efeito os cidadãos residentes no estrangeiro validamente inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996 e ainda os que satisfizerem os requisitos legais comprovativos de que possuem «laços de efectiva ligação à comunidade nacional (artigos 121.°, n.° 2, e 297.° da CRP).
1.3.4 — Na versão anterior à Lei Constitucional n.° 1/97 a Constituição atribuía ao referendo nacional eficácia vinculativa, mas nada dispunha sobre o «quórum de participação» indispensável para o efeito. Por isso, a lei orgânica do regime do referendo (Lei n.° 45/91) pôde estabelecer que «a eficácia do referendo não depende do número de votantes nem do número de votos válidos, brancos ou nulos» (artigo 232.°).
Ora, a revisão constitucional alterou este estado de coisas. Por força do artigo 115.°, n.° 11, é hoje pressuposto necessário da eficácia vinculativa do referendo ser o número dos votantes superior a 50% dos eleitores inscritos nos recenseamentos respectivos. Sem a verificação deste pressuposto o referendo não produzirá, seguramente, efeitos vinculativos. Aliás, a exigência de «quórum de participação» corresponde a prática generalizada nas legislações democráticas. Por exemplo, a Grundgesetz faz depender a existência jurídica do referendo territorial da circunstância de nele participar, pelo menos, um quarto dos eleitores do Bundestag residentes na área respectiva (artigo 29.° (6): as constituições dos Laender da República Federal da Alemanha, por sua vez, apresentam as mais variadas soluções quanto ao «quórum de participação» — metade [v. g. Berlim, artigo 39.° (3); Bremen, artigo 72.°], um terço [v. g. Baden-Wuerttenberg, artigo 59.° (2); Po-merânia, artigo 60.°], um quarto (v. g. Brandeburgo, artigo 78.° (2); Baixa Saxónia, artigo 49.°] dos eleitores do parlamento do Land respectivo. Note-se que ao nível dos Laender os referendos são admitidos com maior amplitude do que ao nível federal.
A Lei Constitucional n.° 1/97, ao seguir a orientação mais exigente, pretende criar condições para que os protagonistas da convocação do referendo (os cidadãos eleitores, os Deputados, o Governo e o Presidente da Repú-blica) sejam confrontados, em cada caso, com a necessidade de maduramente «ponderar» sobre se a matéria do referendo em perspectiva oferece, ou não, interesse suficiente para atrair às urnas, pelo menos, metade mais um dos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais no caso pertinentes. Trata-se de uma exigência destinada, claro é, a contrariar aventuras e ligeirezas no recurso a este instrumento de democracia directa e a evitar atritos e perturbações no regular funcionamento da democracia representativa.
1.3.5— Uma última inovação (relativa) do texto constitucional revisto merece ser destacada na matéria em foco. Procede-se aí a uma clarificação do âmbito material em que podem mover-se a Assembleia da República e o Governo na elaboração das suas propostas de referendo.
Ambos têm de apresentar propostas, diz agora o artigo 115.°, n.° I, «em matérias das respectivas competências». Isto é, a pretexto de um qualquer referendo, nem a Assembleia da República pode invadir a esfera de competência do Governo nem este, inversamente, pode minar a esfera de competência da Assembleia — e uma e o outro não podem imiscuir-se, pela mesma via, na esfera de competência dos demais órgãos de soberania (Presidente da República e tribunais).
De facto, o princípio da divisão e equilíbrio de poderes — uma ideia basilar do pensamento democrático e uma das traves mestras das constituições modernas— corre sempre risco quando o povo se pronuncia directa e formalmente sobre uma questão política concreta. Daí os cuidados especiais a ter para que o referendo não venha a pôr em causa este princípio estrutural do Estado de direito democrático. O Supreme Court da Califórnia lembrou-o de forma feliz em 1982: a iniciativa popular «is not applica-ble where the inevitable effect would be to greatly des-troy the efficacy of some other governmental power, the practical application of which is essential».
Para além disto, tal clarificação compreende também os limites materiais da iniciativa popular. Uma vez que esta iniciativa passa através da Assembleia da República (artigo 115.°, n.° 2) e terá de se consubstanciar, se for caso disso, numa proposta parlamentar, o seu êxito dependerá de a matéria sobre que versa o referendo pretendido caber na esfera de competência da Assembleia da República.
1.3.6 — Por último, importa ainda aludir a uma importante alteração da Constituição num ponto conexo com a matéria do referendo. Por força da Lei Constitucional n.° 1/97, a iniciativa da lei passou a pertencer também a grupos de cidadãos eleitores em termos e condições a definir por lei (artigo 167.°, n.° I).
O que significa que o grupo de cidadãos autor de uma iniciativa de lei, no caso de o poder legislativo não lhe dar andamento, poderá vir a pretender a realização de um referendo sobre a mesma matéria. No entanto, a Constituição, ao contrário de outras —por exemplo, a generalidade das constituições dos cantões suíços e as constituições de dezenas de estados federados nos Estados Unidos da América —, em caso algum dá aos grupos de cidadãos «acesso directo» ao eleitorado (supra n.'* 1.3.1 e 1.3.5). Por isso, o regime da «iniciativa popular» característica da legislação americana e suíça está longe da versão actual da Constituição da República Portuguesa.
2 — Os modelos das iniciativas legislativas pendentes de parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias: os quatro diplomas em debate adoptam diferentes caminhos para proceder à adaptação do regime do referendo aos novos parâmetros constitucionais. Na proposta de lei n.° 145/VII o Governo optou por apresentar um texto de integral substituição da lei vigente e concebeu-o de forma a abranger no seu dispositivo tanto a modalidade de referendo prevista no artigo 115.° da CRP como a que é imposta no artigo 256.° da CRP.
O Grupo Parlamentar do PPD/PSD, esse, cindiu a sua iniciativa em dois diplomas —o projecto de lei n.° 416/ Vil, que introduz alterações aos artigos 1.°, 3.°, 5.°, 7.°, 10.°, 11.°. 13.°,-17.°, 26.°, 28.°, 31.°, 32.°, 231.° e 232.° da Lei n.° 45/91, moldando-a com vista a abarcar os referendos de âmbito regional convocados ao abrigo do artigo 115.° da CRP, e o projecto de lei n.° 420/VII, que visa