24 DE NOVEMBRO DE 1997
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de a estes referendos, com as necessárias adaptações, do regime decorrente daquele artigo 115."
3.2.2 — O projecto de lei n.° 420/VII também regula a matéria como se tivesse de haver um único referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas. Diferentemente'do Governo, porém, propõe que esse referendo único seja executado em duas votações separadas por um intervalo de 14 dias, realizando-se, primeiro, a votação sobre a pergunta de alcance nacional e, depois, se a maioria dos eleitores disser sim à regionalização em termos vinculativos, a votação da pergunta relativa às áreas das regiões.
Por outro lado, naquela primeira votação, o direito de participação é reconhecido a todos os cidadãos eleitores, incluindo os residentes no estrangeiro que se encontrem regularmente recenseados, nos termos da Constituição e da lei. Mas não deixa claro se a realização deste referendo deve esperar pela entrada em vigor da lei a que faz referência o artigo 121.°, n.° 2, da CRP e da lei que criar o novo regime do recenseamento aplicável aos eleitores residentes no estrangeiro.
Em terceiro lugar, o projecto de lei do PPD/PSD não exclui expressamente os cidadãos eleitores do âmbito dos titulares de iniciativa (procedimental), mas também não os inclui neste tipo de referendo. É certo que mantém a exclusiva competência da Assembleia da República para a elaboração e apresentação da proposta de referendo ao Presidente da República — como não podia deixar de ser, dado o que dispõe o artigo 256.°, n.° 33, da CRP. No entanto, daqui não se segue que a iniciativa popular tenha de considerar-se excluída (supra n.'* 1.3.1 e 1.3.5).
3.2.3 — O projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP também parte da existência de um imperativo constitucional de regionalização do continente a cumprir de uma vez e ne varietur. O que diz é claro e simples: feita a consulta a que se refere o artigo 256.°, n.° 1, da CRP e apurada a existência de decisão favorável (com efeito vinculativo), dar-se-ão por cumpridos todos os requisitos constitucionais da instituição em concreto das regiões e à Assembleia da República nada mais restará senão aprovar, no prazo de 90 dias, a lei de cada região administrativa.
3.3 — A Constituição impõe à Assembleia da República a tarefa de apreciar, nos termos e nos prazos fixados por (ei, a iniciativa popular de referendo.
Nem a proposta de lei nem os projectos de lei adiantam quaisquer critérios materiais a observar em tal apreciação. Na lógica desta omissão quererão os autores dos textos em debate deixar à discricionariedade da Assembleia a decisão sobre se há-de prosseguir, ou não, uma iniciativa popular do referendo? Vai a Assembleia avaliar a iniciativa popular apenas à luz dos princípios e normas constitucionais? Ser-lhe-á legítimo entrar na ponderação da oportunidade política do exercício pelos cidadãos do seu direito fundamental de participação na vida política?
Os projectos em foco deixam sem resposta estas perguntas, embora elas sejam importantes.
Em direito comparado conhecem-se formas susceptíveis de moderar uma eventual precipitação dos cidadãos no uso 1 do referendo, com pleno respeito pela decisão pessoal respeitante ao exercício deste direito fundamental. Por exemplo, o ónus de apresentação de um projecto de lei sobre a matéria visada pelo referendo em perspectiva. Se se trata de questão emergente de convenção internacional a apro-
var, a iniciativa popular depara, naturalmente, com os limites materiais decorrentes da existência de uma convenção já negociada e assinada pelo Estado; mas nas questões de natureza legislativa inexistem limites objectivos similares. Se, em geral, são possíveis —como a Constituição garante e bem — iniciativas populares de referendo relativamente a matérias a decidir através de acto legislativo, então poucas relações sociais escaparão à iniciativa popular. É o que resulta do princípio da chamada omnipotência do legislativo. Neste sentido, diz o conhecido brocardo anglo-saxónico que «o Parlamento pode fazer tudo, excepto transformar um homem numa mulher» e proclama o artigo 161.°, alínea c), da CRP, a competência da Assembleia da República para «fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo».
Uma tal estrutura normativa pede uma atitude diferente da que vai acolhida, entre outros, por exemplo, no artigo 18.° da proposta-de lei. Se a iniciativa popular tivesse de condizer com um projecto de lei a apresentar à Assembleia da República em simultâneo com a apresentação do pedido de referendo, o objecto da iniciativa popular seria claramente delimitado, contrariando-se, por via disto, a ocorrência de referendos demasiados onerosos para o sistema democrático. A título de exemplo: a Constituição da Baviera reconhece a um décimco de cidadãos eleitores o direito de pedir a realização de um referendo, mas o pedido precisa de «ter por base um projecto de lei escrito e fundamentado (artigo 74.°, n.° 2).
Quer dizer, as iniciativas populares, no âmbito e segundo a estrutura constitucional vigente, deveriam, porventura, ser acompanhadas do projecto de lei relativo às alterações à ordem jurídica vigente que se pretendem. Quem quer conhecer a vontade e opinião do eleitorado sobre um tema a decidir por acto legislativo não deveria ser autorizado a desencadear o procedimento se e enquanto não tivesse redigido o correspondente texto normativo. Tal solução conjugaria no instituto do referendo as duas iniciativas populares — a referendária e a legislativa (esta também agora admitida pelo artigo 167.° da CRP).
4 — Sobre os reparos de natureza jurídica de S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República, constantes dos despachos de admissão da proposta de lei n.° 145/VII e do projecto de lei n.° 4 (supra n.° 2), adianta o relator apenas duas considerações. '
4.1 —O artigo 16.°, n.° 2, da proposta de lei, ao recusar a militares e a outros agentes identificados no artigo 270.° da CRP o direito de participar nas iniciativas populares de referendo nacional, afigura-se atentatório do princípio da universalidade dos direitos e deveres consignados na Constituição (artigo 12.°, n.° I, da CRP)!
Com efeito, o artigo 270.° da CRP admite que a lei possa estabelecer limites a certos direitos e liberdades fundamentais desses profissionais, nomeadamente ao direito de petição colectiva. Só que o direito de iniciativa referendária configura-se como entidade autónoma em relação ao direito de petição (artigo 52.° da CRP) — como longamente ponderou a Comissão Eventual para a Revisão da Constituição (VII Legislatura). Aliás, a proposta de lei n.° 145/VII é, sob este aspecto, incoerente: o artigo 24.° afirma, e bem, a autonomia entre o poder ou direito de iniciativa popular referendária e o direito de petição, declarando que o exercício deste último direito não prejudica o