1160-(4)
II SÉRIE-A —NÚMERO 53
iniciativa que esteve subjacente a essa alteração ao Código de Processo Penal o Governo referia que se «optou por proceder aos ajustamentos indispensáveis ditados pela revisão do Código Penal».
Tal como consta na exposição de motivos, afigurou-se adequado proceder estritamente aos ajustamentos ditados pela revisão do Código Penal, relegando-se para próxima oportunidade uma revisão mais global do processo penal, na qual, nomeadamente, a problemática dos adiamentos sistemáticos por falta do arguido — importante factor de
bloqueio da justiça penal — se espera possa ser enfrentada
sem os constrangimentos de ordem constitucional que vêm inibindo o legislador ordinário de intervir nesta matéria. As principais alterações foram as seguintes:
Reequacionou-se a competência do tribunal singular (prisão até cinco anos) e do colectivo determinada em 'função da moldura penal aplicável de modo a reservar a intervenção deste último aos casos de maior gravidade;
Reformulação do regime da execução da pena suspensa;
As alterações em sede de liberdade condicional visaram clarificar alguns aspectos da respectiva tramitação, de modo a conferir-lhe maior eficácia e a adequada às modificações decorrentes da revisão do Código Penal;
No tocante à execução das penas acessórias, reflectiu--se no direito adjectivo a inovação decorrente da consagração expressa no texto do Código Penal da proibição de conduzir veículos;
Clarificação de qual o tribunal competente para declarar a extinção da execução, bem como a extensão do regime de contumácia, previsto para o condenado que se exime à execução de medida de internamento.
O Decreto-Lei n.° 317/95, de 28 de Novembro, procede deste modo à alteração dos artigos 1.°, 13.°, 14.°, 16.°, 104.°, 107.°, 135.°, 187.°, 209.°, 220.°, 224.°, 242.°, 280.°, 287.°, 313.°, 315.°, 342.°, 367.°, 370.°, 375.°, 409.°, 469.° a 509.° e 521° do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto--Lei n.° 78/87, de 17 de Fevereiro.
IV — Enquadramento constitucional
16 — Lei fundamental, porque hierarquicamente superior, é a Constituição, cujos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, vinculando as entidades públicas e privadas.
São muitas as normas da Constituição que respeitam, directa ou indirectamente, ao processo penal.
17 — O artigo 32.° enumera os princípios fundamentais a que deve obedecer a estrutura processual penal. O n.° 5 do artigo 32." dispõe que «o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».
18 — Muitas outras disposições dispersas na Constituição são igualmente importantes: artigos 13.°, n.° 1 (princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei), 25.° (direito à integridade pessoal), 27° (direito à liberdade e segurança), 28.6 (prisão preventiva), 29.°, n.K 5 e 6 (princípio do non bis in idem e direito à revisão de sentença e indemnização por condenação injusta), 31." (habeos corpus), 33.° (expulsão, extradição e direito de asilo), 34.° (inviolabilidade do domicílio e da correspondência), 35.° (utilização da
informática), e 38.° (liberdade de imprensa), imunidades, organização dos tribunais e fiscalização da constitu-cionalidade.
19 — Vejamos ainda de forma mais desenvolvida alguns dos preceitos supracitados.
A Constituição da República Portuguesa consagra no
artigo 27.° o direito à liberdade e à segurança. As restrições ao direito à liberdade que se traduzem em medidas de privação total ou parcial dela só podem ser as previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 27.°, não podendo a lei criar outras: princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas/ restritivas da liberdade. Estas medidas ao constituírem restrições a um direito fundamental integrante da categoria dos «direitos, liberdades e garantias» estão sujeitas às competentes regras do artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.
20 — Em princípio (excepções no n.° 3), as medidas de privação da liberdade, seja total, seja parcial (prisão, semidetenção, regime de prova, liberdade condicional, internamento, etc), só podem resultar, conforme os casos, de condenação de acto punido com pena de prisão, ou de aplicação de medida de segurança.
Atente-se ainda ao disposto no artigo 29.° da Constituição da República Portuguesa (aplicação da lei criminal), o qual consagra, na expressão feliz de Gomes Canotilho e Vital Moreira, o «essencial do regime constitucional da lei criminal», isto é, da lei que declara criminalmente punível uma acção ou omissão, definindo um determinado crime e prevendo a respectiva pena (a propósito da Constituição penal (cf. artigos 3.°, 9.°, 10.° e 11.° da DUDH; artigos 9.°, 14.° e 15.° do PIDÇP; artigos 5.°, n.° 5, e 7.° da CEDH, e 7.° Protocolo da CEDH, artigos 2.°, 3.° e 4.°).
21 —Embora existam muitos bens constitucionais cuja desprotecção penal não seria compreensível (direito à vida, à integridade pessoal, ao bom nome e reputação), a verdade é que, traduzindo-se as penas num sacrifício imposto ao condenado, é a penalização que normalmente carecerá de justificação, quanto à sua necessidade e quanto à proporcionalidade da medida da pena, devendo enterider-se desde logo que só podem ser objecto de protecção penal os direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Entende--se ainda que só deve haver sanção criminal quando tal se mostre necessário para salvaguardar esses bens constitucionais.
22 — Os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal são o princípio da legalidade (só a lei é competente para definir crimes e respectivas penas), o princípio da tipicidade (a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime, bem como tipificar as penas) e o princípio da não retroactividade (a lei não pode criminalizar factos passados nem punir mais severamente crimes anteriormente praticados).
23 — O artigo 30.° da Constituição da República Portuguesa é também um eixo basilar da Constituição em matéria penal, estabelecendo este preceito os limites das penas e das medidas de segurança, vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da humanidade das penas. Todavia, o texto constitucional pouco diz sobre as próprias penas. Para além das penas privativas da uberdade (artigo 27.°, n.° 2), a Constituição não define positivamente quais podem ser as outras penas.
24 — A Constituição impõe limites às penas que resultam expressa ou directamente de certas figuras da Constituição, mas confere um amplo campo à discricionariedade legislativa em matéria de definição das penas.