18 DE MARÇO DE 1999
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A tudo cabe, agora, dar concretização ao nível legislativo.
Para o efeito, o diploma consagra uma perspectiva global da cooperação judiciária internacional praticada por Portugal, apontando soluções para os diferentes níveis de integração entre os Estados envolvidos, o espaço em que a cooperação é desenvolvida e a natureza da infracção que fundamenta o acto de cooperação. Exemplos disso são as normas dos artigos 6.° e 32.°, que pretendem constituir verdadeiros quadros definidores, respectivamente, dos princípios gerais de cooperação e das regras gerais sobre o regime da extradição.
Desse modo, atento o desenvolvimento substancial da cooperação internacional e a experiência prática entretanto desenvolvida, lomou-se necessário prosseguir objectivos de aceleração e simplificação de circuitos, acentuando-se, do mesmo passo, a importância de princípios de imediação no contacto com as entidades judiciárias responsáveis.
Neste contexto, avultam duas medidas preconizadas na presente revisão legislativa (artigo 21.°).
Uma primeira, referente à atribuição ao Ministro da Justiça de competências próprias, que anteriormente lhe eram delegadas pelo Governo, para a decisão sobre pedidos de cooperação formulados a Portugal, mantendo-se na titularidade do Ministro as decisões sobre pedidos de cooperação formulados por autoridades portuguesas. Tudo no quadro das atribuições do Governo, inerentes à ponderação das condições globais da cooperação internacional desenvolvida pelo Estado Português.
Uma segunda medida é a relativa à instituição de uma autoridade central para o encaminhamento dos pedidos.
A designação da Procuradoria-Geral da República para o efeito, segue soluções idênticas às adoptadas no contexto de alguns tratados bilaterais e multilaterais de cooperação judiciária penal que vinculam Portugal. Para além disso, ela tem em conta, np contexto da forma de cooperação específica prevista no título vi, que se refere ao auxílio judiciário em matéria penal, na sua especial incidência na fase de inquérito do processo penal e a intervenção do Ministério Público em todos os actos de cooperação processual, dadas as suas atribuições de promoção processual. Por último, nos casos de contactos directos urgentes, a que se refere o artigo 29.°, a autoridade central assegura um papel não despiciendo de intermediário entre autoridades de diferente natureza— judicial ou administrativa — que possam estar envolvidas no pedido de cooperação, mormente nos processos por ilícito de mera ordenação social.
Por outro lado, teve-se como indispensável que a prossecução dos referidos objectivos deverá sempre efectuar-se de modo compatível com a preservação e, quando necessário, reforço das garantias de defesa: podem ver-se, a título exemplificativo, o artigo 13°, facilitador da imputação da detenção sofrida em Portugal no processo estrangeiro, a limitação à aplicação de medidas não detentivas, de acordo com princípios constitucionais restritivos da privação de liberdade antes da sentença condenatória transitada em julgado, sempre que, em aplicação do princípio aut dedere aut judi-care, deva solicitar-se a colaboração do Estado requerente para a instauração ou continuação do processo em Portugal (artigo 32.°, n.° 5), a clarificação da situação da pessoa reclamada no caso de arquivamento por falta de envio dos elementos complementares solicitados ao Estado requerente (artigo 45.°), a audição judicial do detido subsequente à sua detenção (artigo 53°); a acentuação de objectivos de reinserção social que presidem, em sede de execução de sentença solicitada ao estrangeiro, à eliminação da obrigação de prévia indemnização da vítima (artigo 90.°), e à admissibilidade da transferência de cidadão português condenado em Portugal, desde que este o requeira e resida habitualmente no país para onde deseja ser transferido (artigo 104.°).
As alterações preconizadas nos diferentes títulos do diploma desenvolvem as ideias de base que ficaram enunciadas.
No que toca aos princípios gerais de cooperação, além dos aspectos já referidos, cabe ainda referir as alterações pontuais de maior relevo.
O artigo 1.° torna extensível os princípios e regras de cooperação judiciária interestadual em matéria penal à cooperação com entidades judiciárias internacionais. Prevê também a sua aplicação subsidiária no âmbito do ilícito de mera ordenação social e no de infracções penais processadas perante autoridades administrativas. •
No artigo 6.°, respeitante aos requisitos gerais da cooperação, dá-se expressão legislativa às alterações constitucionais e ao sentido da jurisprudência que interpretou esta norma legal. A cooperação nos casos em que ao crime caiba pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade da pessoa exige, consoante a forma de cooperação em causa, a prévia comutação antes da formulação do pedido ou a aceitação da conversão daquelas penas de acordo com a lei portuguesa.
Também em obediência ao comando constitucional, concretiza-se agora a possibilidade de extradição por crime a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida, definindo-se, para o efeito, alguns critérios mais significativos, objectivados em lei, que constituem a base de um sistema de garantias, a apreciar pelas autoridades administrativa e judicial no quadro das respectivas competências no âmbito do processo de cooperação.
Tratando-se de uma enumeração de natureza exemplificativa, os critérios elencados não excluirão a possibilidade de ponderação de outros elementos que se afigurem relevantes para o caso, designadamente decorrentes do grau de afinidade com o sistema jurídico do Estado requerente.
No artigo 22." prevê-se a utilização de modernas formas de transmissão do pedido, no seguimento de princípios preconizados em textos internacionais como, por exemplo, o Acordo entre os Estados membros das Comunidades Europeias celebrado em San Sebastian, em 26 de Maio de 1989.
Por razões bem compreensíveis, o título u, dedicado à extradição, é dos que regista maiores inovações.
O artigo 31.° reflecte especialidades da cooperação com entidades judiciárias internacionais, bem como as decorrentes da aplicação de regimes convencionais específicos, de que é exemplo o abaixamento dos limites mínimos de admissibilidade da extradição, previsto na Convenção da União Europeia sobre Extradição, de 1996.
O artigo 32.° foi reformulado em função do princípio constitucional que admite, em certos termos, a extradição de nacionais. Em consonância com a natureza claramente excepcional do comando constitucional, estabeleceu-se uma norma de carácter programático baseada no princípio de devolução da pessoa extraditada para efeitos de cumprimento da pena em Portugal, tendo em vista a incorporação da mesma em instrumentos convencionais de que Portugal faça parte.
O princípio tem outros afloramentos, desde logo no artigo 43.°, relativo ao pedido de trânsito.
Entre as inovações de maior alcance introduzidas pelo novo regime da União Europeia em matéria de extradição conta-se a possibilidade de afastamento, em certos termos, do benefício concedido pela regra da especialidade e da proibição de reextradição sem prévio consentimento do Estado da primeira extradição.
Tratando-se de matéria com implicações directas ao nível das garantias processuais, cuja aplicabilidade, nos termos expressos deste diploma, depende sempre de base convencional, foi a mesma complementada, no plano interno, pelo fundamental dever de informação cometido ao juiz,