O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

24 DE ABRIL DE 1999

1615

a Lei da Separação (Decreto de 20 de Abril de 1911). Mas o entendimento da separação entre o Estado e a Igreja que a Concordata consagra não é o do princípio da separação, tal como ele resulta da Constituição de 1976 e dos documentos do Concílio Vaticano U. É antes o entendimento próprio do jurisdicionalismo, como sistema em que tanto o Estado como a Igreja admitem a outra parte a intervir em matérias que lhes são essenciais (iura in sacra, atribuídos ao Estado, restrições à soberania e à não identificação do Estado com particularismos religiosos ou ideológicos, a favor da Igreja), e que o desenvolvimento constitucional das revisões de 1951 e 1971 vieram acentuar.

Por outro lado, a Concordata foi desenvolvida pelo Acordo Missionário, contemporâneo e com o mesmo valor jurídico da Concordata, e por uma extensa legislação complementar, bem como pela jurisprudência e pelas práticas administrativas. Este corpo normativo concordatario tem impedido a própria reestruturação jurídica da Igreja Católica, ou pelo menos a sua transparência civil, como consequência do novo Código de Direito Canónico. A comunidade territorial de base da Igreja, a paróquia, não tem tido existência jurídica civil em Portugal, mantendo-se em vez disso a instituição de origem medieval das fábricas das igrejas paroquiais, como fundações patrimoniais de sustentação do culto, e os benefícios paroquiais, como fundação patrimonial de sustentação dos párocos, aparentemente para garantir os benefícios fiscais que uma certa interpretação da Concordata ligou às fábricas das igrejas!

Depois da revogação da concordata lateranense de 1921 e sua substituição pelo acordo de 1984 na Itália e da revogação da concordata espanhola de 1953 e sua substituição pelos acordos de 1976 e 1979, a Concordata portuguesa tornou-se manifestamente anacrónica e geradora de anacronismos. O mesmo acontece depois da descolonização com o Acordo Missionário, que desenvolveu os artigos 26.° a 28.° da Concordata.

Quanto à Lei n.°4/71, ela nunca pretendeu estabelecer a igualdade de direitos em matéria religiosa. Nas palavras do parecer da Câmara Corporativa que contribuiu fortemente para a redacção da lei: «Uma coisa é a liberdade religiosa e a-igualdade dos cidadãos perante a lei, seja qual for o seu credo, que se referem à eliminação de toda a coacção em matéria de religião e constituem o mínimo, igualmente exigível do Estado por todas as confissões reconhecidas. Outra coisa é o conjunto de providências que, excedendo o mínimo de tutela exigível por todas em oóediência ao princípio da imunidade de coacção, se considerem aplicáveis apenas a algumas delas.» [Antunes Varela, Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.°4/7l, de 21 de Agosto de 1971) e Lei de Imprensa (Lei n."5/71, de 5 de Novembro de 1971), Coimbra, Coimbra Editora, 1972, p. 86 (a nota de pé de página que acompanha o texto citado revela que quando o relator fala de "algumas" tem apenas em vista a Igreja Católica).]

O referido «mínimo» são os direitos negativos individuais de liberdade religiosa. É certo que a Lei n.°4/71 declarou reconhecer outros direitos, inclusivamente direitos colectivos de liberdade religiosa, às confissões religiosas não católicas reconhecidas [Jorge Miranda, no parecer sobre a primeira versão do anteprojecto, enviado pela Conferência Episcopal como anexo à sua resposta, nota cóm razão, que deve ter-se por inconstitucional só ser consentida a confissões reconhecidas (nas condições estabelecidas na base ix) a construção ou instalação de templos ou' lugares destinados à prática do culto (base xvu); haveria que acrescentar a base vn, na parte em que repete o artigo xxi da Concordata,

pelas razões do citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 423/87; não cabe aqui discutir a constitucionalidade das várias normas da Lei n.°4/71], pelo que a citação feita é mais reveladora do espírito constitucional ao tempo prevalecente do que do conteúdo da lei e da própria proposta de lei da Câmara Corporativa. Mas a verdade é que nenhuma confissão não católica foi, antes de 25 de Abril de 1974, concretamente reconhecida ao abrigo da lei e da legislação que a regulamentou (Decreto-Lei n.° 216/72, de 27 de Junho). Deste modo, tudo ou quase tudo se passou como se a Lei n.°4/71 nunca tivesse existido. Uma das explicações para a não aplicação da Lei n.° 47

71 reside certamente na manutenção de exigências, que vinham do Código Administrativo de 1940 (artigo 449.°) e que representavam um círculo inextrincável: segundo o Código Administrativo e a Lei n.°4/71, uma associação para se constituir tinha de demonstrar que se constituíra de harmonia com normas de hierarquia e disciplina de religião a que pertenceria; mas a religião, ou confissão, na terminologia da Lei n.°4/71, para ser reconhecida juridicamente, teria de se constituir ela própria de acordo com normas de uma religião ou confissão reconhecida, se não estaria sujeita às sanções previstas para as associações secretas, proibidas pelo Decreto-Lei n.° 39 660, de 10 de Maio de 1954. Por outras palavras: a Lei n.°4/71 não previa a possibilidade da constituição originária de uma confissão em Portugal, nem fornecia os critérios do reconhecimento de uma confissão estrangeira, pelo qüe se tornava impossível demonstrar a conformidade com as normas confessionais do estabelecimento da confissão em Portugal. Vontade de quebrar o círculo não existia ná Administração, tanto mais que as confissões não católicas eram consideradas menos nacionalistas, se não estrangeiradas, o que durante a guerra colonial se agravou com a suspeita de que apoiavam os movimentos independentistas.

A liberalização chegou com a revolução de 25 de Abril, através da aplicação às associações religiosas do regime geral das associações civis do Decreto-Lei n.° 594/74, de 7 de Novembro. Com efeito, no registo das confissões religiosas reconhecidas criado pelo artigo 11.° do Decreto n.° 216/72 para dar execução à Lei n.°4/71, só depois de 25 de Abril de 1974, por despachos de 12 de Junho de 1974, foram inscritas as duas únicas confissões que tinham requerido, já em' 1972, a inscrição, por estarem regularmente instituídas, antes do início da vigência da Lei n.° 4/71, associações religiosas delas integrantes (pelo que se deviam considerar reconhecidas, segundo o artigo 12." do decreto): a Igreja Evangélica Metodista Portuguesa e a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Pouco depois (despacho de 1 de Julho) foi inscrito como associação o Exército de Salvação, cujo processo se arrastava desde 1972. Todas as restantes pessoas colectivas entretanto inscritas — são no total 459 em Março de 1998 — foram-no como associações civis, ao abrigo do Decreto-Lei n.° 594/74. Como o modelo desenhado pelo Código Civil para as associações civis, com assembleia geral, direcção e conselho fiscal, é claramente desajustado à efectiva organização das comunidades religiosas, estas têm um estatuto jurídico que desfigura e oculta a sua realidade sociológica, No registo, que se transformou num registo de associações religiosas (isto é civis com fins religiosos) não católicas, não se distinguem as igrejas e outras comunidades religiosas das instituições por elas criadas e das federações em que se associam.

Além da liberalização do reconhecimento de associações religiosas, também se avançou decisivamente para uma maior