0120 | II Série A - Número 009 | 20 de Outubro de 2001
Em relação ao direito à informação e discussão por parte dos cidadãos sobre as operações de urbanização, não parece haver nenhuma razão particular que excepcione a Administração Pública, as entidades concessionárias de serviços públicos ou ainda as próprias autarquias locais, da obrigação de informação e discussão pública relativamente às operações urbanísticas com um mínimo de relevo e impacto nas populações locais. Pelo contrário: porque se trata com frequência de operações de alguma envergadura e impacto, a prática urbanística da administração central e local tem sido, em muitos casos, completamente oposta àquela a que os titulares de alvarás particulares estão obrigados.
Por isso, se defende que ao Estado, em sentido lato, se apliquem as mesmas regras de publicidade e de informação e discussão pública que antecedem e que procedem a emissão dos respectivos alvarás. As propostas de alteração relativas ao n.º 7, artigo 7.º, vão nesse sentido.
Por outro lado, entende-se que os limites que o diploma prevê para a dispensa da discussão pública, mais do que um procedimento de simplificação administrativa, configura, pelos seus termos exagerados, uma tentativa de obscurecer o processo de tomada de decisão e de evitar a discussão e a participação dos cidadãos sobre as operações urbanísticas em causa.
Aliás, se se tiver em conta outros diplomas onde está regulamentada a possibilidade de alterar o que está definido em instrumentos de ordenamento do território eficazes, como é o caso do Decreto-Lei n.º 380/99, referem-se limites de "3% da área de construção em planos de urbanização ou de pormenor", o que manifestamente não tem nada que ver com áreas até 4 ha ou áreas cuja construção pode elevar-se até cerca de 100 fogos. O mesmo se poderia dizer tendo em conta a letra e o espírito da Lei n.º 83/95 (Direito de participação procedimental e de acção popular), onde se estabelece no n.º 3 do artigo 4.º que "são consideradas como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante (...) os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área, quer sejam executadas directamente por pessoas colectivas públicas quer por concessionários".
Em conformidade, considera-se que os limites propostos pela presente proposta de alteração ao Decreto-Lei n.º 177/2001 são os que melhor se compaginam com a letra e o espírito da legislação conexa em vigor e, ao mesmo tempo, representam efectivamente um procedimento administrativo simplificado apenas para os casos em que, de facto, as obras de urbanização a encetar terão reduzido significado no contexto urbano em que se inserem.
Mas, para além destas questões, são particularmente relevantes as propostas de alteração que se referem à questão dos "direitos adquiridos" e das "garantias dos particulares", nomeadamente através do procedimento administrativo que se aplica aos deferimentos tácitos.
Tem-se observado, de forma mais ou menos generalizada por todo o País, que não são raras as ocasiões em que os órgãos autárquicos se vêem confrontados com os chamados "direitos adquiridos" por parte de proprietários imobiliários, os quais, em muitos casos, são contrários às escolhas relevantes de ordenamento urbanístico que aqueles pretendem adoptar. Por outro lado, muitas das exigências relativas a "direitos adquiridos" fundamentam-se em ineficiências no funcionamento da Administração Pública (central e local), o que, do ponto de vista da sua possível desconformidade com os instrumentos de planeamento territorial eficazes, pode implicar o dispêndio de somas financeiras muito elevadas por parte da Administração Pública, para as corrigir.
Deste modo, é entendimento deste grupo parlamentar que as decisões camarárias que, tendo em vista o cumprimento dos instrumentos de planeamento municipal, conduza a alterações nas condições da licenciamento para a realização de operações urbanísticas ou de alvarás de construção - estabelecida pelo artigo 48.º do presente diploma - implique naturalmente a responsabilização por justas indemnizações à luz do que dispõe a legislação em vigor, nomeadamente o Código as Expropriações.
Importa, porém, particularmente num período como o actual em que se vai iniciar um período de revisão de instrumentos de ordenamento municipal, acautelar as situações em que se poderão justificar decisões camarárias no sentido da revisão de autorizações ou licenciamentos, especialmente nos casos em que essas autorizações não deram lugar ao início de qualquer processo de urbanização em concreto.
É entendimento do Bloco de Esquerda que, esgotado o período de vigência dum instrumento de planeamento municipal, sem que determinado acto de urbanização tenha sido sequer iniciado, fará pouco sentido, se for caso disso, manter inalterável certos usos do solo que eventualmente se justificará alterar. Esse o sentido preciso das alterações propostas.
No mesmo sentido, se propõe a modificação do artigo 113.º - deferimento tácito. Como se sabe, este tipo de prática, na maior parte dos casos por laxismo voluntário ou involuntário, tem conduzido a inúmeras aberrações urbanísticas e a uma enorme perda de eficiência por parte da Administração Pública, obrigada a processos jurídicos que se arrastam interminavelmente pelos tribunais ou ao pagamento de vultuosas indemnizações, totalmente despropositadas face às exigências colocadas pela defesa do interesse público.
Nesta matéria, o articulado do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, mantém completamente em aberto, sem qualquer restrição, a possibilidade da prática do deferimento tácito poder funcionar favorecendo o interesse de particulares em casos de operações urbanísticas com significado, abrindo caminho para a violação de normas de protecção ambiental ou patrimonial ou dos próprios instrumentos legais de ordenamento do território. Implicitamente admite-se que o licenciamento e a simples autorização administrativa são processos com a mesma relevância e que, portanto, o laxismo e a incompetência da Administração Pública, a nível local ou central, pode ser razão bastante para legitimar a realização de operações urbanísticas que, em si mesmas, têm naturezas e alcances completamente distintos entre si.
Para o Bloco de Esquerda não é uma fatalidade o laxismo e a incompetência da Administração Pública. O argumento da "simplificação administrativa" não deve servir para a demissão de responsabilidades e das competências que incumbem ao Estado; pelo contrário, o legislador não pode substituir-se invocando "processos de simplificação administrativa" à prática dos actos de gestão que competem à administração e esta, por sua vez, deve ser capaz de assumir as suas responsabilidades.
Dada a relevância dos actos urbanísticos que lhes correspondem, não parece admissível "adquirir" ou "reclamar" direitos de urbanização equivalentes a um pedido de licenciamento pela via do deferimento tácito. Daí a proposta de alteração ao artigo 113.º, propondo-se a sua exclusão aos actos equivalentes a "operações urbanísticas estabelecidas no n.º 2 do artigo 4.º", ou seja, todas as que estão sujeitas a licença administrativa.