0137 | II Série A - Número 026S | 02 de Outubro de 2002
estrangeiro, devolvendo a competitividade à economia portuguesa". O CES subscreve a análise.
O problema que ressalta da análise da evolução comparada das importações e das exportações desde os primeiros anos da década de 1980, é o de que essa evolução está a revelar dificuldades estruturais sérias na resposta do sistema de produção nacional de bens transaccionáveis às exigências da abertura de mercados no plano europeu e internacional. O nível alcançado pelo défice da balança de bens e serviços - entre os 8% e os 10% é de todo em todo insustentável.
O sector dos bens e serviços não transaccionáveis, onde se tem concentrado o dinamismo da economia portuguesa desde há vários anos, poderá vir a enfrentar graves dificuldades se começarem a escassear os financiamentos externos que até aqui têm permitido aguentar a fraqueza das produções dos bens e serviços transaccionáveis, que deveriam merecer muito maior prioridade, em termos relativos, na política de apoios públicos à economia.
Sustenta o governo que "a recuperação sustentada da economia portuguesa só será exequível através de condições de competitividade-preço compatíveis com uma maior dinâmica do sector exportador e com uma maior capacidade concorrencial dos produtos portugueses no mercado interno. Trata-se de um requisito que está associado a uma evolução salarial necessariamente condicionada pela trajectória da produtividade. Um cenário em que este requisito não fosse contemplado, colocaria em risco os fundamentos da recuperação da economia e, como tal, o próprio ritmo de crescimento esperado".
Aumentar a competitividade-preço constitui uma necessidade evidente, mas a relação, dependendo da evolução salarial, não se reconduz apenas àquela, sendo função de muitos outros factores que convirá atacar igualmente. Uma correlação estreita entre salários e produtividade é naturalmente desejável e deve ser procurada.
O CES entende que não se deve contar fundamentalmente com a mão-de-obra mais barata para aumentar a competitividade e que o mais importante é fomentar o aumento da produtividade, pela melhoria da qualificação dos trabalhadores e empresários, da motivação, da gestão das empresas, da organização no trabalho, da capacidade de inovação, da valorização dos produtos nos mercados externos, do esforço em investigação e desenvolvimento, etc.
O CES não pode deixar de referir que a inflação registada desde 1998 foi sempre superior à projectada, o que teve consequências importantes sobre várias empresas e na distribuição do rendimento, fornecendo bases desadequadas para a discussão da política salarial.
Por outro lado, um diferencial de inflação em relação à média da União Europeia sistematicamente positivo como o que se vem verificando em Portugal poderá, a prazo mais ou menos curto, traduzir-se em tensões acrescidas sobre a capacidade das empresas exportadoras com reflexos negativos no emprego.
Não faz sentido tomar a inflação média europeia como referencial para a política salarial portuguesa. É necessário ter em conta a evolução salarial média da UE e em especial nos países com os quais temos mais transacções comerciais, ajustada pelos diferenciais na evolução da produtividade média do trabalho no sector dos bens transaccionáveis entre Portugal e a zona euro (para onde vai a grande maioria das nossas exportações e donde vem a grande maioria das importações que concorrem com a produção nacional). Com tal correcção, aquela substituição procura ter em atenção a necessidade de não se deteriorar ainda mais a competitividade das produções nacionais no quadro da UEM e de atenuar os problemas de desemprego e desindustrialização que se estão a verificar cada vez com mais intensidade em vários sectores produtivos, como os dos têxteis, vestuário e calçado.
A alternativa é clara, ou se consegue aumentar muito rapidamente e de forma significativa a competitividade das nossas exportações e das nossas produções que concorrem no mercado interno com as importações (o que terá de se traduzir por subidas das quotas de mercado, respectivamente nos planos externo e interno) ou essa competitividade continuará a diminuir, com reflexos negativos no encerramento de unidades fabris e no aumento do desemprego.
Mas o problema não se esgota no que antecede, bem pelo contrário, e terá de atender a outras componentes, também elas muito importantes.
Considera o CES, desde logo, que a melhoria da competitividade, constituindo uma prioridade para o país, não pode ser procurada por via da redução dos salários reais dos trabalhadores portugueses, mas sim pela melhoria da produtividade. Com efeito, o modelo de crescimento económico assente em baixos salários encontra-se, desde há algum tempo, esgotado sendo fulcral criar novos factores competitivos que assegurem um crescimento mais estável que atenue os problemas de desindustrialização e do emprego.
Acresce que a abordagem macroeconómica, habitualmente feita sobre a evolução de salários, produtividade e razões de troca de bens exportados e importados deve ser apoiada em informação estatística mais completa e mais rigorosa do que aquela de que dispomos actualmente. É gravíssimo que não tenhamos estatísticas da contabilidade nacional para os anos posteriores a 1995 sobre o Valor Acrescentado nos diferentes sectores produtivos a preços constantes (ou a preços do ano anterior). Esta falta impede-nos de conhecer adequadamente a evolução da produtividade nas várias actividades produtivas, nomeadamente as do sector dos bens transaccionáveis. É por isso praticamente impossível estruturar uma política salarial em que se atenda simultaneamente à evolução salarial média na Zona euro (e também a evolução salarial nos países dessa Zona que são os nossos parceiros fornecedores de importações ou os principais mercados da nossa exportação) e às diferenças entre a evolução da produtividade média do trabalho nessa Zona (e nesses países) e a de Portugal. É imperioso que o governo actue urgentemente para corrigir a lacuna que acaba de ser referida.
A definição da política salarial, embora apoiando-se fundamentalmente numa análise macroeconómica, deve ser complementada com a definição e implementação de políticas microeconómicas coerentes e consistentes.
Deverá ainda ter-se em atenção que a pertença a um mesmo espaço monetário não pode implicar que os salários tenham de ser iguais ou mesmo muito próximos em todo esse espaço, como o atestam vários exemplos nos Estados Unidos, entre países da União, ou entre regiões de um mesmo país na União. As diferenças de produtividade média implicam salários diferenciados, mesmo em uniões monetárias.
Por outro lado não poderão ser descurados outros aspectos, designadamente sociais e políticos, derivados da metodologia preconizada, sendo necessário que a proposta e os ajustamentos daí decorrentes não causem mais problemas